segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

C(s)into



Puxo o cinto de segurança, e prendo do lado esquerdo. Acima o meu peito, a faixa que promete me assegurar de acidentes e maledicências - ironia quem sabe, por estar ao seu lado e isso me fingir uma proteção (frágil). Sem me mover, assisto à toda sua concentração em analisar a vaga, retirar o carro, trocar de marcha, e ter cuidado ao virar o volante; o abano ao porteiro do prédio. É dia, e a cidade ainda vazia. É cedo, e o silêncio matutino parece fazer com que tudo pare apenas para nos assistir. Nessa manhã onde desde o gosto na boca, o sabor de diferença impera os sentidos . De acordar e em silêncio, te observar também quieto, vendo quem sabe esse meu lado que tenho e não revelo - de ser calada, quando convém. Pensar que é verão, e mesmo o calor insuportável lá fora, com você as paredes que nos cercam traduzem a amenidade que sinto, nessa sua presença leviana. Ver você em mim sumindo, da minha vida se tornando cada vez mais turvo, inexistente, é querer abraçar com todas as forças os últimos momentos, os minutos finais, e você bem forte, para quem sabe nesse enlace te reavivar para nós, te reafirmar para mim: não te perder nesse baú do inconsciente, que chamamos memória. Quando você me largar na frente de casa, e parar por segundos para me gravar para os tantos dias que irão nos separar, vou querer ficar nesse momento tempo demais do que ele na realidade dura. Sei que fantasiarei como quando se você estivesse aqui, e eu pudesse pegar a sua mão e caminhar pelos jardins, por entre as praças que, silenciosas, nos ouviam passar colorir os desvios dialogando idéias e subterfúgios. Noites em que, com a inspeção dos seus olhos, deitei a cabeça no braço do seu sofá, e quase adormecida, sentia a completude de todo esse patamar; que desbravo sempre, e até me surpreendo - mas que não suporto ser sempre descoberta e encantada, para logo depois lidar com essas perdas que nem ao menos sei se algum dia me pertenceram realmente. Nesse seu carro que mais flutua que anda, a sensação é de estar à caminho do céu, e frear bruscamente na esquina da minha casa, quase no estacionamento ao lado. Parada obrigatória, falha mecânica, falta de combustível. Eu presa; não tanto pelo cinto, mas por você e esse seu jeito pacato de não dar bola pra nada na vida, enquanto eu sou a preocupação excessiva, o caos em forma humana - uma aflita explosão. Presa fácil, que você rodeia, rodeia, faz de distante e surpreende quando perto, mas cativa. Mesmo irresponsável, cativa. Sua voz que abranda e diz: tenha um bom dia. Enquanto tudo que o pensamento consegue concluir é que, sem você, dia nenhum vale a pena ser condecorado na agenda com frases sem nexo, apaixonadas. Estancada no que sinto, e faço questão de não falar, apenas pensado: não vai, não vai, não vai. Mesmo assistindo à tantas partidas, dizer esse adeus é a fala que não me sai da boca, o sentimento de perda que não aprendi a abrigar. Sendo tantos, não aceitando mais da metade.
Minhas mãos entrelaçadas no final do seu cabelo, como quem não quer soltar um momento, mais uma pessoa, alguma existência que a vida tem me ensinado, e eu, fiel aluna, compreendido. Sem aguentar mais uma perda para aviões lotados, e cidades imundas. Nesse abraço que dura tanto tempo que pessoas surgem, carros buzinam, e a cidade volta ao ritmo enlouquecedor de todo dia que não é santo mas faz calendário, é que a gente se prendeu por algum momento que me faz ainda pensar se a volta algum dia foi marcada e o aviso ainda não chegou aqui. Por enquanto, me sinto carcerária: pouco por essa faixa que me prendeu de você, em seu itinerário; muito por esse sentimento que brotou e me preencheu, na hora menos esperada. Com as chaves em mão, volta e me busca, moço. Tira essa melancolia que deixou na liberdade provisória que me autoconcebi, traz no regresso algum sentido pra essas idéias que se não são em você, se tornam todas desviadas, tiros ao léu. A sua alegria, a minha espontaneidade. Sua calmaria, o meu furacão. Volta que perder tempo é burrice, você é saudade, e momentos como aquele, o meu chão.

and happy new year


Tira do armário o vestido branco, passado, lavado e fora de uso. Rasga a etiqueta, e deixa a peça única sobre a cama, à espera do banho demorado de sal grosso, ritual de limpeza e purificação da alma, da mente, do corpo e do ser. Toca no cabeça, máscara nos fios dourados, para rituar com os fios brilhantes, dourados. Com calma, banho demorado, temperatura morna e ambiente. O sal desce as curvas, grosso, eliminando os encostos, as almas ruins que grudaram, aderiram à pele e devastaram com stress, deixando a derme com aspecto de cansaço, fisionomia abatida. Promessa de sorte, de leveza na vivência, dia-a-dia longe dos ladrões de caráter, essência. Retirar de perto gente medíocre e sem perspectiva. Sobe a fumaça, e a tosse seca, garganta carregada. As temidas relações tóxicas, pensa. Alimentada pela água mais quente do que o normal, pela época fresca e acalorada do ano? Evidente. alérgica como de costume, tosse compulsivamente, e volta a idéia que lera. Tudo indo pelo ralo? Talvez seja a hora. Desprender os laços que ainda abafam, fazem mal. Ligam os fios já um pouco eletrocutados, desemcapados e sim - tantos choques, horas de inconsciência e machucados que passam, mas viciam. Adicta de bater portas e aceitar perdões tão sem jeito nem cara, em cima de desculpas montadas com pressa e sem nexo algum. Sempre o discurso inexato do quanto era importante, tudo o que representava e as promessas mil de melhoria, reconstrução e uma paz improvável. Caía, caiu diversas vezes, e hoje não tinha mais vontade de acreditar. Resolve que deixará então a vida guiar, que as coisas aconteçam, e não esquecer apenas num canto: seus princípios e valores. Mais valorosos que beijos sem paixão, e algumas mentiras sinceras. Tão descaradas que mais tarde deixam sem chão, fazem sofrer em dobro.
Seca-se com a toalha que elimina os resquícios ainda existentes de qualquer passado inconveniente, fricciona o tecido atoalhado afim de tirar o peso das costas, as marcas de sofrimento e tudo que não serve mais, e insite em grudar. Como uma música de propaganda na boca, um chiclete sem gosto entre os dentes e a saliva seca nos lábios; mais tarde, rachaduras, cáries e a mesma canção de rima pobre rodando entre a mente e a prosperidade que almeja, todo o futuro que quer viver, e tem pressa, necessidade.
Um creme no corpo, pernas para segurar das ventanias emocionais sem deixar abater, ombros para deixar pescoço ereto, cabeça erguida e orgulho das ações, sejam errôneas ou totalmente assertivas. Mãos macias, segurar cordas com força, cabo-de-guerra contra todo esse mau-olhado, urucubaca desgostosa. Brincos nas orelhas, colar entre as saboneteiras protuberantes, o colo bonito e o vestido branco, roupa de baixo vermelha, rosa e roxa. Paixão, amor e luxúria! Respectivamente..E na ordem das aspirações, desejos urgentes. Um sapato de salto para dar equilíbrio e auto-confiança, figura de mulher que não se abstêm, não se deixa abater e continua na guerra diária, aconteça o que seja..
Terminado o ritual, pós carnavalesco, o ano começa agora! O que antes vivíamos e era uma ilusão tão doce e perigosa, essa alegoria de sentimentos que pairavam e não encontravam raíz, placa mãe. O esquecimento do plano real que hoje regressa à casa, como um filho pródigo e aclamado, sendo pedido por todos já cansados de girar nesse carrosel de sentimentos que apenas circula, volteia e não pára nunca para as tomadas de decisão, a realidade nua e crua, tal como deve ser a vida. Imaginação viva, e os pés no chão. Sem deixar-se voar ou levar pela ventania das frases de efeito, e das atitudes floreadamente cortês, falsas intenções, segundas, terceiras..Peço muito um amor verdadeiro e duradouro, real. Depois, saúde para mim e para aqueles que amo, que zelo. Dos que não me querem bem, apenas o bem deles, e sua ausência, seu esquecimento e afastamento. Fé, para que mesmo com os desafios à vista, não pare de remar, navegar; desistir. Coragem para seguir em frente, um pouco nos bolsos sempre é bom - precaução. Alguns ideais, e umas metas para não tornar-se alienada, vencer a inércia com êxito. E nos lábios, um sorriso. Aproxima quem deseja um abraço, uma felicidade. E deixa longe quem inveja sente, quem o mal deseja.
Isso basta, e o ritmo a partir de amanhã muda. Resoluções postas à mesa, no papel com caneta azul esferográfica, torcer para que algum santo ou deus tenha lido ou escutado, visto. Com fé, muita fé e o mesmo sorriso tímido apenas de dentes superiores. And a happy new year, relembra um dos hinos natalinos e olhando pela janela, fala baixo apenas para ela mesma: feliz ano novo. Vai até a janela, e deixar o grito sair do corpo. Feliz ano novo!

(A novidade do ano, quem faz é você. Pode ser hoje, amanhã, ontem, ou dia primeiro. Feliz ano novo, quando a mudança estiver entre suas prioridades. Inovando é que se inicia um ciclo totalmente em branco. Happy new year!)

Ou muito mais que isso.


- Por que você gosta tanto de mim?

(Segundos suspensos no ar. Mente que roda ativa, procurando alguma resposta cabível e imparcial; válida, e compreensível. A escuridão do cômodo refletindo apenas o teu olho branco, que brilha acompanha meus movimentos lentos, enquanto eu mesma me pergunto: como gostar tanto de você? Pelo aprendizado, quem sabe. Por você estar de meias brancas, e não pretas. Por esse destino traiçoeiro, que me entrega um cartão com o seu nome, me faz escutar teu sotaque em cada esquina dessa cidade turística, e te ver em outras pessoas, a qualquer momento; desprevenida. Ser apaixonada pela sua barba, e seu cabelo assim, comprido - e não curto. E passear minhas mãos por entre os fios escuros, porque meu cabelo é liso e claro demais pra qualquer cafuné. Gosto de ir conversando a vida aos poucos, como quem não tem pressa de acontecer. De poder rir da sua letra, visivelmente máscula. Ver que você se esforça pra ser sempre mais, melhor. E achar isso completamente afrodisíaco. Poder brincar de qualquer festim existente; sem deixar o tédio consumir vezenquando. Massagear as tuas costas. Detestar em conjunto à ti tomate e cabelos curtos, e usar o mesmo shampoo, e a mesma pasta de dente; por mero acaso, e não por indicação, ou combinação. E ainda assim, adorar a adversidade de gostos musicais, nos separando tanto em afinidade.  Lembrar de algum momento memorável, e sorrir sozinha, um pouco boba e totalmente insana. Pensar em você, e bobagens purpurinadas brilharem na minha mente. E num atentado de loucura ao meu pudor, comprar um brinquedo que te lembra a infância; deixar na sua portaria, para surpreender de qualquer maneira. Rir do seu ciúme bobo dos atores da televisão, e sorrir me sentindo quase uma lagartixa; esmagada na parede, sob a sua respiração forte na minha orelha miúda. Pedir pra você um sorriso, quando você quase me sufoca entre braços. Conversar sobre o meu futuro, e o seu. Ouvir atenta as sugestões que você sempre me dá do que fazer, de que caminho seguir. Fechar os olhos, quando você beija a minha testa. Roçar o meu nariz no teu, porque eu acho beijo-de-esquimó o gesto mais simples, e ao mesmo tempo mais puro, de amor. E nunca me assustar realmente, ou rir, quando você finge ter um ataque do coração, ou quase morrer. Mas não saber o que fazer, caso isso realmente acontecesse. Sempre esquecer algo, seja minha sombrinha inseparável, ou algum brinco - como num ato coincidente de deixar minha marca, mesmo que sublime.
Apreciar até mesmo a roupa que detesto, e que você coloca apenas pra ficar em casa; ter um carinho pelo chinelo enorme com meia, que você usa. Querer viajar o mundo na tua companhia, e nunca revelar isso - se fosse o litoral, eu já ficaria feliz. Acampar, e olhar o céu estrelado. Amar o teu perfume; e senti-lo em todo lugar, em uma festa qualquer, e no meio do shopping. Qualquer toque, e cógegas; e logo depois, rir de tamanha sensibilidade. Te encontrar nem que seja em algumas horas do meu dia, suficientes pra me fazer feliz até um próximo encontro. Não existe uma razão, e sim, tantas. E ao mesmo tempo, nenhuma. O que há é algum sentimento, e escravidão louca, que me faz retornar sempre. Gosto, porque gosto.  E não precisa ser dito. Talvez, porque há sempre algum empecilho, tantas barreiras a serem vencidas, e eu gosto de ser colocada à prova; sei posso vencer essas, e quaisquer dificuldades, quando quero algo. Pergunta cretina, e justo agora. Se eu realmente explicasse, nem o tempo seria exato, as palavras me fugiriam, e eu gaguejaria, aposto todas. Então, improviso.)

- Ah...Porque, sei lá. Não sei se tem um porque. Eu gosto de conversar contigo, a gente tem química, e é isso, eu acho. E tu, porque tu gosta tanto de mim?
- Porque tu me deixa louco.

Homens, sempre homens. E...Não é amor. Quem sabe um dia se torne, ou nunca aconteça. Por enquanto, não. Uma pena, um engano. Ou muito mais que isso.

Cadente.


- Que horas você nasceu?
- E eu sei lá...Sei só o dia, o mês, o ano.
- Hm. Deveria saber.. Quase todo mundo sabe.
- Não sei mesmo. Você sabe que horas nasceu?
- Sei, né.
- Tá, e que diferença isso faz?
- Pra mim, ou pra ti?
- Pro mundo. Brincadeira, mas sério, o que isso tem de mais? É só um horário.
- Se tu acredita em destino, deveria pensar melhor nisso também. Naquilo que faz o dia ser claro, e a noite, fosca. E nos faz dormir, acordar, malhar cedo, e amar o pôr-do-sol. No mundo que roda, entende.
- Acredito em destino, mas ainda continuo não entendendo aonde você quer chegar, com tudo isso...
- Eu nasci meio-dia, e meia-hora. E sou metade apenas nisso, não é curioso?
- Sim. Que mais?
- Sabe, na metade diurna, é quando o sol encontra o ponto mais alto no céu, e brilha, aquece. Você sabe, me bronzeio por horas, porque gosto. Também talvez seja por isso, que eu goste de altura, de me jogar assim desses precipícios da vida, leviana. Sem medo nenhum. Tô lá, tão alto, que quase ninguém me pega. Inalcançável.
- Ou quem sabe, que você seja assim, sozinha e intangível, por pura opção. Inconstante, e temperamental, feito a lua. Fica vendo as estrelas brilharem, e deixa passar, preocupada apenas com o íntimo próprio, sumindo às vezes, e reaparecendo cheia de luz, revigorada.
- Posso ser também, uma filha da lua, e uma amante do sol. Imagina, só...A descrição perfeita talvez.
- E onde fico eu, nisso tudo?
- Você é a minha estrela predileta. Cadente.

(E enquanto ele mudou o canal, e o assunto também pulou para outro barco, pude pensar e sentir, que a cadência ali era recíproca, ou quem sabe, real. Enraizada. Por entre silêncios, e olhares furtivos. Sem falas decoradas, e humores maquiados. Porque cadente mesmo, só essa estrela que passa, e a gente deseja que fique; corre procurando por onde se perdeu os vestígios da explosão. Sábios de que se encontrarmos, pra sempre serão nossos.)

A mentira.


"A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer." Mário Quintana

Sem mais ilusões pro coração, com o ar cético que nunca me fez bem, foi depois de um surto de saudade momentâneo que conclui: o que vivi não passou de uma verdade inventada. Sem sentido, abstrata, ilusória.
Logo eu, que glorifiquei tantas e tantas vezes mentiras sinceras, que até me interessavam. Até me deparar com essa situação desvirtuada a qual me vi devota. Uma confusão onde eu desenhava por cima da imagem real castelos e príncipes encantados - me esquecendo que onde há reino, há rei. E onde há rei, pode haver muita tirania. Injustiça também.
Minha mágoa se compôs em querer tanto acreditar que o carrossel de emoções que ora subiam, e por vezes vinham à terra, era de carne e osso e existente, que consistia em algo que poderia perecer ao tempo e à distância, quando na verdade, não. Chegava mais perto, e mesmo escutando cada palavra bela do que compunha o punhado de fantasias indiciosas, me deixava embalar pelo som das palavras angelicalmente grotescas que saíam da sua mandíbula articulada para me enganar. Sem nem ao menos prestar atenção nos sinais de insegurança que emitias, em sua índole contrabandeada, ou em sua fisionomia tão condizente com o que até mim se norteava. Seus falsos argumentos, suas desculpas já gastas, de tão esfarrapadas. E eu pegava no colo, e protegia, com zelo e cuidado, até mesmo cada erro do que um dia se voltaria contra mim. Todos esses teus medos, tão injustificados.
Sentir falta de uma mentira não é se enganar; fica mais fácil de se encarar de frente o vazio deixado e a ferida provocada, para então perguntar: aonde é que toda aquela chama foi parar? Sem nunca obter respostas, caída tão dentro do que nem ao mesmo existiu, e confundir o efetivo com ledo engano. Me pergunto pra onde se bandearam todos aqueles sonhos, tão infantis, ou minha ideologias, tão furadas e batidas. Sumiram, morreram, travaram. Empacaram. Enquanto toda essa inocência inadaptável queria firmemente acreditar, construía motivos para crer, a lógica se esvaia; a esperteza pegava carona, e a cova dos sonhos se via cada vez mais funda. Nas desculpas esfarrapadas, visão embaralhada e assistia então a: motivos altamente convincentes. E a novela, de tanto suspense se alimentava, suas pernas curtas corria com rapidez, e inflava, cada vez mais. Até se tornar uma bolha de camada tão fina, e de cunho insuportável, que estourou. De novo então o ar natural respirável, algumas não tão belas verdades na mente, e sonhos em reconstrução provisória. Cair fora do que ficou em ser lenda, e não se viu nem ao menos sombra ou vestígio do que passou, é abandonar o vício, e caminhar com alívio. Fichas para um carrossel de emoções, reais e apaixonantes, agora sim.

Giz.


Quis escolher uma cor qualquer, que combinasse com verão, que contrastasse com essa paz leviana que tem me ocorrido. Fiquei com o branco. Que desenhado por cima, clareia as demais tonalidades. Os tons pastéis que me acalmam, fazem sentir mais confortável, delicada. Pintar sobre as calçadas sujas e cinzentas um pouco de grama que amacie os pés, flores para embelezar a vista. Deixar sair de boeiros pássaros de origami, libertados. Rabiscar sorrisos em quem de cara fechada por mim passa. Redesenhar roupas onde as faltam - seres (promíscuos) humanos. Trocar os tons que em desarmonia estão, justíssimo. Construir com lápis e borracha laços que não desamarrem tão facilmente, tão precisos somos uns aos outros; necessitados. Apagador em mãos e extinguir todo vestígio de pichação - substituir por versos de um poema impactante e singular, que marque a quem passa, intrigue o dia alheio. Retrato nuvens tão vivazes que nos dêem o impulso de querer tocar o céu, e comer algodão doce. Se o sol não sair, prometo tacar o amarelo que está dentro do avental e fazer que brilhe muito, que as pessoas tenham vontade de sair pra rua e vivenciar todas as restantes horas dessas vinte-e-quatro, até o último segundo. Estar abraçadas, em companhia, enquanto o astro rei se põe, e o laranja chega, itinerante,  facilmente substituído pelo azul límpido, penetrante. Caso as estrelas se escondam também, respingo um pouco de glitter para que estas queiram usufruir de todo o brilho, e se maquiem com tanto glamour que deitados num mesmo cobertor, eu e você possamos de cima do morro tentar contar a infinitude dessas que no dia seguinte se escondem e voltam sempre - tantas. Mesmo que sejam os corpos celestes que até podem ser os nossos, mas que estão no teto do seu quarto.
Recortar com bravura os engarrafamentos, a poluição, o caos em forma de som que a cidade nos presenteia. Para abafar as buzinas ensurdecedoras na hora do rush, final de tarde, em seus ouvidos faço existir dois grandes fones, com aquele som que só a gente conhece, para que você se transfira dessa loucura toda. Estampar no rio que desagua da nossas mil vontades quem sabe um bote, iate, ou barco à vela, para que a gente encontre qualquer rumo impossível e fuja da banalidade, ostentada. Em teu pescoço, pincelo meu enorme desejo que por você tanto brilha, em forma de beijos, e sussurros desavisados. É no meu abraço acalorado que te pinto (a)tinjo meu coração, apertado. Corada, sem jeito, e te reproduzindo cada vez mais nesse rascunho que guardo, e não jogo fora nunca. Com a câmera fotográfica que, sonhadora que sou, desenho, afim de captar todo e qualquer momento de todo essa alucinação que criamos, e com tanta criatividade, suportamos sem querer que termine. Se sujamos, nos delineamos, não tanto coloridos, mas com lápis, giz, borracha, canetinha, papel crepom, cola, glitter e afins pintamos uma realidade que não é nossa, e que num borrão, tentamos agora voltar ao branco, à paz, ao quadro limpo. Eu, uma desenhista que ainda tenta, mesmo fracassada de nascença. Qualquer tela em branco pra mim é possibilidade, e a mente vasculha atrás atrás de uma nova arte, alguma novidade.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Antiga.


- Você é antiga.
- E você não é a primeira pessoa que me fala isso.
- Consigo te ver de vestidos rodados, e meias soquete com sapato. Cintura marcada, e cabelos enrolados. Buscando o leite em garrafa de vidro, a cada manhã. Congelaram o protótipo de mulher ideal das décadas passadas, e por isso é que você já veio ao mundo com opinião, grandiosa. Mulher.
- Isso tudo é o que você fantasiou.
- Você gosta de telefone celular? Não tanto. Você se diverte nas festas com música eletrônica, superlotadas? Muito pouco. Você não sabe levar relacionamentos inseguros. E quando cede alguns beijos sem compromisso, se ressente todinha, que eu sei.
- São referências, e não fatos. Mesmo gostando muito desse rótulo retrô, acho que as modas voltam. Mudam pouco, rodam ciclos, e retornam. Mais alguns anos, e a promiscuidade cede lugar ao modo vintage de ser, o novo must have.
- Consigo ver você tragando em piteiras enormes, farta de jóias, impecável numa cozinha fazendo o almoço café e jantar, para o marido e os filhos famintos.
- Gosto de cozinhar. E caso quisesse escrever nas horas vagas, será que algo visto com bons olhos no meu verdadeiro antigo tempo?
- Se seu marido fosse um liberal, acho que tudo bem. Admita: você pilota muito melhor fogão, que automóvel. Prefere cartas, longos escritos, às tão banalizadas conversas instantâneas. Esperou para se dar inteirinha para um cara que te ligaria no dia seguinte. Já tomou seus porres, coisa que até os mais idosos de alma fazem, desde os primórdios tempos. Apenas tem preferido a discrição atualmente, o que é respeitável de uma peça antiga como você. Não beija mais que dois na mesma festa, mesmo se for o príncipe dos seus sonhos (que eu tenho certeza que existe no seu lado idade média, admita também). Aliás, se descobriu no barzinho. Cansou do ritmo acelerado e dos papos fúteis da noite badalada. Você está é em extinção.
- Tudo bem, eu admito sim todos esses fatos. Com certo orgulho, talvez. Mais alguma acusação?
- Abre mão das drogas ilícitas, usufruídas por praticamente todo jovem atual. Por você, o cara só beijaria sua mão no primeiro encontro. Pediria em namoro aos seus pais, como sinal de respeito. E o noivado? Numa grande festa, pedindo a sua mão com um anel enorme em brilhante.
- Verdade, verdade. E quem não quer esse romantismo arcaico? Passear de cavalo com longas tranças, ser salva do tédio não sei se pelo príncipe, mas algum Robin Hood da era moderna, que dá alegria à quem precisa, e a tira de quem não valoriza o sorriso com bravura? Muita mulher é assim, e apenas não se assume ser arcaica.
- Você sonha em viajar para o velho continente, Europa, que eu sei também. Escuta as músicas que seus pais hierarquizaram para você, e gosta disso. Não compreende a bissexualidade, mas aceita os homossexuais como quem quer abraçar alguém logo após um acidente: cheia de compaixão. Trair, para você, além de falta de amor é algo imperdoável. É tímida, só se soltando quando já conhece bem o terreno em que pisa. Não faz amizades por conveniência, e nem sai sorrindo por aí, efusiva. Se fecha com seus livros, e mundos paralelos. Satisfeita com sua família, amigas, e outros pouco selecionados. Você é a antítese, o paradoxo.
- O que é contrário sempre se associa a certo medo, e quem sabe, prazer. Não quero ter que provar que gosto do que repugno e aceito o que acho intolerável apenas para agradar aos moderninhos de plantão. Tenho pavor de montanha russa, e a imbecilidade dos jovens quando em bando me dá náuseas. Sou feita para andar em par, em trio. Festa é algo pra de vez em quando, se não deprimo logo. Todas aquelas conversas montadas, as relações superficiais em que um quer mostrar ter mais que o outro me fazem bocejar. Para escapar da rotina, é que ensaio a tentativa de me parecer com todos os outros, ocasionalmente.
- Vão querer te xerocar, qualquer dia. Uma clonagem em massa, do fenômeno que é não pertencer a esse mundo superficial.
- Daí me reinvento mais uma vez, não para seguir algum modismo, mas sim para camuflar a essência um pouquinho, e escapar sem demais arranhões.
- E se você esconder tão bem e o Robin Hood não te perder de vista?
-  Jogo pelo caminho um pouco do elixir da essência: é o que marca, fica, e aponta as setas de quem a gente realmente quer encontrar. Antiga, ou não.

Fazendo a contente.


Pra quem teve a felicidade de ler Pollyanna, é mole. A menina vai passando por tantas adversidades, e não perde nunca a alegria de viver. E a receita evidente, a qual a menina narra e recomenda: o jogo do contente.
Consiste em ver apenas o lado bom, de toda e qualquer situação. Tirar um proveito, nem que seja mínimo, do que vai lhe ocorrendo, das peripécias, e bondades, que aparecem. E hoje, além da santa caminhada de todos os dias, esse é meu exercício complementar.
Não estou com as unhas feitas, mas o horário marco em qualquer salão dos tantos que tem aqui na rua, amanhã. Quero tanto a saia que vejo já há dois dias, na vitrine da loja da esquina daquela avenida movimentada, mas não é urgente; de saias cintura-alta, tenho uma coleção. Tenho um sobrinho de 5 anos, e nenhuma paz; como recompensa, agitação de uma vida hilária e frenética. Sou uma mulher com tudo no aumentativo, ão ao quadrado; do outro lado, não posso reclamar da atenção que chamo nas ruas.
O domínio que tenho sob minha ações é pouco; mas as aventuras, e lombas, loopings que a vida dá com tanta adrenalina, são intensas. Não sei a roupa que vou na festa amanhã, mas não é por falta de opção; o armário está lotado, e até já pensei em fazer um bazar, saldão ou balaio, pra me livrar de vez de todo esse passado que se abriga em baixo da minha cama. Me falta calma, frieza e constância; mas pra tanto fogo e vivacidade, um remédio: muita saúde.
Em algumas ocasiões, a bagunça aqui de casa me tira do sério; porém a união da nossa família, nos momentos de cumplicidade, são horas únicas, inexplicáveis. Tá um calor chato e abafado aqui no Sudeste, mas não reclamo; no Brasil, existem lugares bem piores (meus pêsames aos leitores do Rio!). Não tenho você aqui, e agora, como queria, e então quando te ver, a saudade será grande, a vontade, maior e tudo lindo, tudo nosso. Ou, meu.
Sorrio, sabendo das possibilidades mil, e de que do outro lado do muro, pode morar o incerto, o duvidoso: o mágico. Espie!

A carne é fraca


Então, você chora algumas vezes, escondida pra que ninguém veja, a ache ainda mais uma coitada. Faz suas amigas o detestarem mais do que bife de fígado. Sua mãe, não pode nem ouvir o nome do "idiota". Seu irmão, o acha um babaca detestável. E enfim, você fica sozinha algumas semanas. Não quer sair de casa, e deseja curtir uma solidão bege e sem voz; chorosa. A sua tristeza com intensidade, pra que ela vá embora logo, e tudo volte a ter cor - e não mais lágrimas, voz. Equilibrada, e achando que está pronta, se enche de novas roupas, alguns pares de sapatos, e um corte de cabelo novo. Auto-estima mil. Curte, e dança. Sai quantos dias da semana pode, conhece gente, sorri enlouquecidamente, e provoca com o olhar. E beija um. Mais um. Dois. Outro. Continua beijando este outro. Fica feliz, mas nada que a dê vontade de fazer a dancinha e pensar bobagens, ensaiar discursos. Até que, no meio de um filme que você quis muito ver, você se toca: tá tudo errado. Tudo péssimo. O que faço eu, aqui? De roupa bonita, e delineador nos olhos? Calada. Se torna intangível, e lembra do momento que vendo o banner do filme, comentou com ele, o quanto queria ver. E como queria que, ele visse com você (não esse cara, com rosto de bebê, e gestos cordiais e enjoados). E na volta, no carro, o nome dele no rádio. Seu perfume em outro moletom. E a ficha cai: sinto falta. Sinto imensamente uma saudade que me dói, e que não passou. Angústia, vida confusa. E coincidência ou não, toca seu telefone. Como numa coreografia ritmada maluca do destino, ele também quer saber como está a sua pessoa deslumbrante. Tantas novidades, euforia numa conversa onde largando o telefone celular, suas mãos suam. E volta a paz, o sorriso no rosto - sem explicação ou propósito algum. Volta-se a correr no calçadão. Você volta a gostar de algumas músicas que antes, doíam só de escutar. E sentada na sacada, após meditar por longos quinze minutos, reflete: a carne É fraca. Frente à essa fragilidade, temos ainda que demonstrar força. Buscar ser fortes de qualquer maneira. Até que, chega uma hora em que, se essa fortaleza não é real, tudo desaba: você, no choro, na falsidade ideológica em que andava vivendo. Cai de boca nessa felicidade que é saborosa, mas pode acabar a qualquer minuto.
Prometi que nunca mais, e aqui estou eu: talvez feliz, um pouco confusa, mas com uma adrenalina e um sentimento inexplicável dentro de mim. Por mais que não valha nada. Por mais que tudo seja passageiro. Que passe, mas que marque; pra sempre. Apenas ele tem o sorriso que consegue desfazer qualquer escudo sólido que construí, meses à fio. É ele quem me tira o sossego, e devolve quando necessário. Que não é clichê, e filosofa sobre como mulheres ficam feias com o cabelo curto, e o quanto tudo o que lemos, se formos pensar, se encaixa na nossa vida, no nosso momento. Mesmo sem saber, é o tal quem me faz rir sozinha vendo algo, e pensando em lhe contar mais tarde. Ou que, quase me faz jogar no lixo a cartilha em que descrevi meus princípios, com a sua eloqüente capacidade de convencimento. Lobo em pele de cordeiro, sedento também pela mesa aqui posta. Conversa comigo sob travesseiros, e uma janela onde chove, e podemos escutar gritos da torcida do meu time. E que mesmo nessa confusão toda, esse caminho sem placas, e sinalizações, sigo; pode ser cega, ou emotiva, mas vou indo. Me perdendo, consumindo. Deixando queimar. Nem minha mãe, ao me ver chegar em casa, me viu tão feliz e desmaquiada. É a saudade morta, explico. Ficou aqui em mim, e destruiu base, pó, e rímel. A carne é fraca, ou a fraqueza está dentro de mim, e dessa minha cabeça confusa, em uníssono ao meu coração enorme? Eu só quero felicidade, e cumplicidade. Tentei em outros seres, e desculpa, não consegui. Você sabe que é capaz de me fazer largar o mundo, a minha tão almejada estabilidade, pra entrar nas curvas sinuosas e inesperadas, que é a sua vida. Novamente. E se preciso, de novo, e de novo. Fingindo ser a primeira vez; jurando não ser a última. Se diz você, que te enlouqueço, esqueci eu de confimar e dizer que, você também tem o poder de me deixar doida. E tenho apenas a te agradecer por isso. Se a carne é fraca, não há mesmo muito o que fazer. É química, explosão, necessidade. Então, como não participar feliz do banquete, desse churrasco apetitoso?  Me delicio, e penso: que seja louco, mas que dure. Vocação pra vegetariana: zero. Deus me deixou cair em tentação. E tem me livrado do mal. Amém!

Ela lê.


Por entre a cama larga, os lençóis desarrumados, e um cobertor pendendo de um lado para outro, puxado por ela sentindo frio, e por ele querendo se cobrir, toca alto o despertador, como num susto. Acorda ela, que mal dormiu. Enquanto ele, no automático, olhos fechados apenas resmungando sons incompreensíveis, e apertando no botão "soneca". Mais dez minutinhos. Olhos abertos, hiperatividade à mil. Do lado, ele dormindo. Anjo, sono pesado, cândido. Um doce de se ver. De pé, pela janela, uma construção. Barulho de obra, o som dos carros, das pessoas que vivem e nem se importam com qualquer existência, que não a delas mesmas. Passos silenciosos até o banheiro, dentes escovados, hálito de menta. O pijama dele. Olha pras roupas de dormir que à ela não pertencem, e sorri. E então pega a bolsa, as pastas, e encontra o livro que ainda está na metade. García Márquez é uma ótima companhia para aquela manhã ensolarada e ainda não iniciada. Lê, e devora palavras, se delicia a cada frase descoberta, altiva. Caí pra dentro do texto, e a cada dez minutos ainda se alarma como se fosse o primeiro, tão audível é o sinal dos minutos adiados, e ele dorme, sem notar. Enquanto ela o trai na mesma cama com um velhinho colombiano, tamanha admiração pelas sílabas que absorve, verbo que conjuga, pingo sem i. Se deixa levar por alguma magia realista que folheia. Outro par de olhos abertos, a observam então num momento de adultério não culposo, que não envolve demais seres, nem seus corpos e mentes, e mas sim suas ideologias, utopias, escritos. E ela era uma menina que antes mesmo do café da manhã, de tomar algum banho, ou mesmo de fechar os olhos e continuar dormindo até que a hora exata chegue, lê. Divaga, se perde em vocábulos. Uma garota com um livro, e nada mais no mundo. Você está mesmo lendo? Incrédulo, pasmo, pergunta. Ela poderia ser uma daquelas que ligam a televisão, o acordam desajeitadamente com um abraço sufocante, ou simplesmente se vestem e se vão, mas ela lê. E não liga a mínima se durmo, ou me visto. Se tomo banho, e como meu sanduíche natural. Ou escovo os dentes. Ela e sua leitura, inseparáveis, sobre qualquer decreto no mundo. Ignorando todas as possíveis crises mundiais, novas músicas na rádio, e minha vivência sonolenta. Estou lendo, afirma. Cai por terra a miragem, a visão solidificada que talvez fosse um holograma, ilustração. É real: ela está lendo. Tenho vontado de tocá-la, pegar na sua perna ou braço, pra ver se é real. Estirado na cama, uma fêmea que ao invés de pular em cima de mim e me atacar, vocifera em cima de um ser inanimado que muda a cada virada de página - e possivelmente, a surpreende mais que eu. Por que você tá lendo, a essa hora, hein? Percebo a dureza com que os vocábulos lhe saem da  boca, e não é comigo a repreensão. É com essa atitude estranha, que ele nunca deve ter ao menos visto. Alguém que acorda ao seu lado, e se distrai com um livro. Tão distinta dele, que sofre por repulsa às letras. Sou quase extraterrestre, fada, anjo, vertigem. Eu estou lendo, e ele me decifra com os olhos. Incomoda duas pestanas pousadas sob mim e meu lazer, enquanto não compreendem porque faço isso e não durmo. E ao mesmo tempo, toda essa diferença inebria.
Largo o livro e o olho também. Tô lendo porque gosto, tu estavas dormindo, e eu senti vontade de ler. Tô na metade do livro. Quem é o escritor? Agora, ele quer saber com quem ando me conectando, que não com ele. Ar de ciúme, clima tenso. Gabriel, eu digo. Completo com García Márquez, pra não sair do apartamento chutada e apenas com o pijama dele. Até que ele me desarma os braços, suspira e me faz largar minha fonte de evagação possível até ele voltar a vida e parar de se mexer na cama, puxando tantas vezes a coberta que quase levantei e desliguei o ar condicionado. Me abraça tão forte, e posso sentir seu pensamento telepático, que pego no ar: ela lê de manhã. Não é tomando o café, e nem quando no banheiro. Muito menos no ônibus. Ela lê quando quer, e se for pela manhã, banhada pelos raios de sol que pegar seu pé, ela adora. Dorme com aquela cara de petulante angelical, e acorda lendo, me desvendando instintos que nem eu mesmo conhecia. Toco em seu cabelo, beijo sua boca, e ela é real. E culta. Inteligente, que dá até medo de falar qualquer coisa errada, que eu comento política pra ver se impressiono. Coloca então a perna sob as pernas dela, e diz: vamos dormir mais dez minutinhos, e chega de leitura. Fica aqui comigo em silêncio, que eu quero desvendar teu coração. Sem braile, e código de barras. Tu, minha revista, e eu, seu leitor fanático.

(Porque ela era uma guria que lê, e hoje quando ele acorda, ele não sente mais nenhum ciúme e é possivelmente aclamado com tanto calor humano. Não há mais presença feminina que respeite o seu sono, e sente com as pernas cruzadas e o livro no colo, desviando atenção. Hoje ela é uma leitura voraz de outros corpos e comportamentos, e sente uma imensa falta daquele contato improvável entre uma menina que lê, e alguém que o faz tão pouco. Ainda mais, quando pela manhã.)

Essa pressa futilmente preenchida



- Eu só quero um par de sapatos vermelhos novos, um perfume novo e uma correntinha de ouro, pode ser só um C, ou meu nome. Só isso, e quantos sorrisos mais você quiser.
- Acho que tu deveria querer ser feliz, em primeiro lugar.
- Quero isso também, mas não dá pra comprar. O que o dinheiro paga são essas três coisas que andam me faltando, em futilidade. E podem me fazer feliz, quando no meu corpo.
- E amor, você esqueceu do amor, então? Achei que era primordial, amar e ser amada. E todo aquele cenário de contos infantis que você desenhava no ar.
- Não esqueci, só não sinto mais afeto nenhum. Não como antes. Temporariamente, fechei as portas.
- Como quando?
- Como eu nunca consegui em outras vezes.
- Eu te vejo mais complacente, engolindo a vida como quem come algo que detesta, mas não feliz. Depois tu fazes sempre aquela cara de quem come e tem náuseas, quer botar pra fora.
- Por isso, que eu reclame tanto, talvez. Tenho essa mania de querer gritar pro mundo o que tá errado, aquilo que não funciona. Mesmo que a minha voz não ultrapasse nem mesmo a janela do quarto.
- E olha que a sua voz é alta mesmo. Taí, verdade. Mas você não pode perder aquela coragem pueril de quem não pensava e agia. De quem ia sem medo nenhum, em frente, com o coração na mente, e nas mãos um celular.
- Assim era só pro que me tocava fundo. A quietude como resposta apenas pro que não me estremecia a base, não tirava do centro, não me dava suspiros vespertinos. É fogo ou frio, tu sabes.
- E agora, em que temperatura se encontra?
- Num verão que ainda nem nasceu. Querendo ser vanguardista, mesmo nem saber aonde isso dá. Se dá pé, dá fruto, ou planta dor. Mas quietinha e deixando o sol banhar com alguns raios aleatórios o corpo em biquíni, verão.
- Ainda é primavera.
- O mormaço também queima, meu bem.
- E o sapato vermelho, a corretinha dourada e o perfume, ainda são teus desejos destemidos? Tudo isso, pra quê? Desnecessário.
- Um sapato pra de um ângulo acima poder ver a vida, a correntinha pra ter algo valioso perto do peito e o perfume pra mudar de ares, já que nada acontece e as coisas não preenchem toda essa minha pressa desajeitada de abraçar o mundo.

E sobretudo, ela se ama.


Assustada comigo mesma, estou calma. Complacente, harmoniosa. Sem pressa nenhuma, deixo que meus olhos se abram aos poucos para a realidade, desenvoltos da nuvem fantasiosa de pouco tempo atrás. Idealizações que criei abortadas, e agora passos lentos, como nunca me imaginei trilhando. Deixar que o destino atravesse seu caminho sem minha interferência inconveniente de questionadora, astuta e inquieta, é uma novidade. Até quando, não sei, mas reaprender a enxergar, caminhar e sentir tem me dado um alívio antes nunca descoberto. E eu permito que a vida se encarregue de deixar a felicidade entrar, com a porta sempre aberta a possíveis sorrisos e gargalhadas. Estado civil não garante alegria, e amizade é pra todo dia. Ser feliz comigo mesma é a companhia inusitada que senta no meu divã, e eu divago sem culpa nenhuma, entre o que foi, e que quero que venha. Com um sossego que me cala, e deixa consentir. Não abaixo a cabeça, mas a levanto cada vez mais: porque eu mereço, porque a vida é ao mesmo tempo esse minuto, e todo o amanhã, meses daqui também. E as possibilidades se ampliam a cada passo reformulado que a gente dá. Para a frente, e não para qualquer passado infortunado. Assim como navegar, inovar é ainda mais necessário. Dentro de mim, mudanças sutis se intercalam com estridentes descobertas. Se desordenam, camuflam e se unem. Teorias e confabulações que caem por terra, a cada nova experiência, pessoa conhecida, idéia trocada. Ideologias que mudam, sonhos que se permutam. Cada vez mais, a resposta que encontro é cuidar da pessoa que mais me ama nesse mundo. E uma certeza: ela está mais perto do que eu imaginava. Sentada agora nessa cama, deixando a mente tomar voz, e os dedos movimento, como sempre fez. E ela não prova mais nada para ninguém, porque ela sabe que se quiser conquistar esse mundo, nem munição nem força nela pecam em faltar. Se sabe um misto de santidade arcaica e novidade vanguardista. Ela é a contradição que sonhou pra si mesma, e vive tudo na mais aguda urgência; freneticamente. É completa em sua inocência, e simplista na mais ardilosa aventura que é atravessar os dias sem nenhuma vontade de sumir. Vitoriosa de suas dores, e uma fortaleza em conselhos bons, quando para os outros - que não vende, e nem os segue; distribui. Além do mais, é quem dignifica todo um sentimento, sem deixar que nem um pouco de amor não a atinja. E retribui, sempre. A cada novo sapato, corte de cabelo, ou elogio referido. Existe aqui dentro, e aprendeu a habitar também jardins floridos e avenidas desgovernadas; salas de aula superlotadas, entrevistas de emprego, e noite ativamente vazias de conhecimento e cultura. Eu a amo quando acorda de manhã, sem querer falar com ninguém, e quando vai deitar tarde, tamanha insônia. Ou quando toma algumas dessas suas bebidas quentes, e me confessa querer ver o mar, tão longe. Me apaixono a cada foto infantil que nostalgia, ou intuição correta que segue. Pela sua mania em ser ímpar, e não formar nunca par.
Sabe o que é melhor nisso tudo? Eu completei esse nível sozinha. Ela também se alucina e derrete com meus erros e defeitos, com minha ansiedade constrangedora, e arrogância calada. E é nessa reciprocidade benfazeja que eu me amo e me completo cada vez mais, orgulhosa das escolhas que fiz, e de todo lugar que pisei, decisões que tomei. Gosto do meu pé largo, das minhas coxas grossas, e cada vez mais do meu cabelo loiro. Do meu coração imenso, da minha amansidade em palavras, da minha pressa corajosa de seguir em frente. De toda essa fé que tem me tomado conta, e me feito valente. De ser como sou, e não me negar em nenhuma circunstância. Hoje eu sei que me amo, e sabe do que mais: além de me retribuir, me recompenso. Sempre mais, e mais. Até aparecer alguém que me faça conciliar todo esse amor concreto que é real, e valorizá-lo ao invés de jogá-lo num canto qualquer. E que com um amor também sólido e absorto em hombridade, seja corajoso o suficiente para aguentar essa minha loucura doidivana de me gostar demais para depois gostar de qualquer outra pessoa.

Complexo de Marilyn Monroe



Curioso, mas dos meus quase cem (ôuié!) seguirdores, posso dizer que me conhecem pessoalmente, ou já viram fotos minhas, apenas dez por cento de todo esse pessoal. Não que eu queira me esconder, até porque essa fase para mim já passou. Meu nome tá aí, e quem quiser procurar no orkut, twitter, ou google, a tarefa tá super facilitada..Mas é bem verdade que, desde que me aficionei em divulgar o blog, e escrever textos e escritos interessantes, prefiro muito mais buscar o apoio de fora, de quem não me conhece, do que divulgar nos meus perfis próprios. Explico.
A imagem hoje em dia é (quase) tudo. E julgamos pela aparência. Não adianta mentir, e muito menos fugir disso. Talvez fosse assim há épocas atrás, mas nem nascida eu era, e acho que o boom foi se intensificando mesmo com a tal globalização. Ok. O meu complexo nasce daí, sempre me julgaram muito mais pelo que me guia, pelo automóvel  corpo que divago pelas ruas, escadarias e lombas, do que pelo meu intelecto. Peno toda vez que preciso conquistar alguma coisa. Jé cheguei até a ter medo de me jogar e arriscar, porque eu sabia que mais na frente a pessoa parava de ter atenção integral no meu papo legal, na minha intelectualidade e no meu lado cult, e se iniciava então uma fase carnal. E que não voltava à etapa de descobrimento, de florescimento. E logo, a flor do que era uma nova perspectiva morria. Eu deixava murchar mesmo, até porque flor de plástico não embeleza quase nada. Vê se de longe que é uma imitação barata e que não satisfaz de ponto algum. Tanto visualmente, quanto no tato. Sem falar ainda, no perfume. Péssima escolha decorativa!
Li esses dias um texto meio biografado sobre a mulher mais sexy de todos os tempos, sem discussão e chance para Angelina Jolie, Marilyn Monroe. Difícil ficar inerte à tanta beleza e sensualidade, ainda assim leve, e intensa. Atualmente, a única hollywoodiana que vejo com um pouquinho do brilho da little bombshell é Scarlett Johansson. Opinão minha que já avaliei, e não está aberta à discussão. Enfim, a frase mais tocante, foi a seguinte: "Estão mais interessados no meu corpo do que na minha alma". E tocou, profundo e eu fiz aquela carinha débil de quem mesmo não sendo visto, trasmite: sei do que você está falando.
Já assisti há alguns documentários sobre a musa, sobretudo a um no GNT muito bom, o qual recomendo, e pelo perfil de Marilyn, é fácil saber porque ela escondia o gênio inventivo e a personalidade forte por trás de tanta delicadeza e beleza. Era uma mulher confusa, insegura, mesmo se relacionando com homens
de menor atrativos físicos, e que muitas vezes à violentaram, à fizeram muito mal, ou simplismente, menosprezaram. Queria ter um filho, e o aborto lhe foi imposto. Tinha idéias próprias para sua carreira, às quais ninguém lhe dava credibilidade e força. Morreu de tanta infelicidade, desgosto e auto-medicação.
Tudo muito triste. Sobretudo, a parte da descrença e menosprezo. Nunca viram que ali poderia sim, ter uma pessoa que se estimulada, seria culta e teria opiniões maravilhosas, idéias diversificadas.
Não tenho um terço do brilho de Marilyn, mas sofro em partes, deste mal. Ralo para descobrirem fundo a minha personalidade, faço manobras inacreditáveis para deixar de ser apenas um rostinho bonito, e sim alguém de verdade, que estaria ali em qualquer momento, e que poderia colorir dias, desenhar novas manhãs, rabiscar um trajeto completamento louco e invaidecido de orquídeas, lírios e gerânios. Embarcando nas minhas aventuras, mais uma à bordo e pra história, acho que desta vez desencalha, agora desentoa! Rezo todos os dias, e faço boas ações. Vai que vinga, oras.. E depois de tudo mostrado e recolocado, a alma do outro na palma das mãos, a decisão minha, de continuar seja o que for, e permanecer do lado apenas de quem não tem medo de se aproximar da minha cara de metida, ou da minha pose aparentemente, arrogante. Quem não conhece o tenebroso, o belo não merece. Fica a dica!

O que você ainda não sabe sobre mim.


Nessas poucas semanas, a gente até pode ter ido rápido demais, ao invés de ter se descoberto aos poucos, mais lento ainda (o que provavelmente, se assim fosse, já teria me feito cair fora..), aceleramos sem querer uma porção de passos e coisas, e não sei até que ponto tal intensidade é boa, ou maléfica. Porém, não pense que eu estou totalmente na sua mão. Por nem um segundo, acredite que já me têm, e sabe me domar, me dosar. Não. Há uma porção de verdades sobre mim que você nem sonha, e virão à cena, mais cedo, tarde, ou nunca. Aqui. Nesses relacionamentos sem nome, não sabemos por que curso tudo caminha, e eu espero que pelo menos eu tenha a generosa oportunidade de te deixar descobrir todos esses caminhos. As pistas, algumas já estão postas, à espera.
Não passa pela sua cabeça a coleção de esmaltes excêntricos que tenho, a minha paixão por tudo que é vintage e retrô e a minha TPM que quando ataca, vem com toda a força. Você nem imagina o quanto a minha família é luso-italiana-enlouquecida, e fala alto, sangue quente, age e depois se reprime. Já disseram, a família é o inferno de cada um. Amo todos os meus quatro seres inexplicáveis, mas também eles me fazem passar vergonha, em algumas ocasiões. Apesar de tudo, são boas pessoas, com corações de ouro, platina, diamante!
Você me viu dormir, mas nem imagina que sofro a anos de insônia crônica, e mesmo naquela noite, acordei diversas vezes, não sabendo se tudo aquilo era mentira, verdade, ou sonho. E que eu acordo bem, pela manhã. Não nos primeiros minutos, mas meia hora depois, já fico no meu estado ligada no 220 volts, até pelo menos o almoço, ou à tardinha. Você gosta das minhas roupas, e sabe que penso em cursar Moda. Mas nem imagina que sempre fico em dúvida entre tantas peças, e desarrumo o armário inteiro. Sabe também que eu gosto de música antiga, mas desconhece minha paixão por Belchior, o meu lado sensível que ama Chico Buarque, e se encanta pelas letras, tão poéticamente articuladas e tocáveis. E que, secretamente, escuto às vezes uma unica música sertaneja que roda aqui no modo aleatório, com vergonha de mim mesma. Tem conhecimento da minha preferência pelo Outono, mas não sabe que detesto passar frio, que quando chega o inverno eu não fico assim mais tão bronzeada, corada e bonita, e que a asma me visita às vezes, a rinite o ano todo, e a otite, quando quer. Que eu nunca coloquei um cigarro na boca, mas tive uma época de adolescente rebelde, que já passou por alguns porres, teve os pais chamados no colégio, e fugiu de casa e dormiu um tempo na avó. Conhece o meu medo gigante de quase tudo, mas desconhece que já doei sangue para o banco da medula, e que opa, quem começou isso tudo, do primeiro passo à coragem de ver você de perto, fui eu. Corajosa, essa menina! hahaha. Vê minha pintinha em cima do lábio, mas não nota no queixo, mais abaixo um pequeno corte, de quando caí de bicicleta dos parrerais lá na terra da minha avó materna. E o meu cabelo, o qual a sua pessoa tanto enaltece, já foi num só ano preto, castanho, chocolate e ruivo. Sim, hoje é loiro e natural, californiano. Um milagre, em termos capilares. E olha, quando nos falamos, sinto sua falta. Te ver ali, e não saber o que se passa, algumas vezes me dói, e sensível que sou, já chorei na dúvida. Prefiro tudo ao vivo, em cores, do que essa virtualidade toda. Depois de provar o maravilhoso, quem se acostuma com o mais ou menos? Não é a mesma coisa, e disso acho que você também já sabe. Vê meu romantismo em cada pequeno detalhe, e não enxerga toda a minha insegurança, o meu maior anseio: que tudo vá, tão logo chegou.
E sabe que eu escrevo bem, que esse talvez seja meu dom, mas nem sonha com o blog, e muito menos, que nos dias presentes, você é alvo e assunto - mas bom, tudo do bem, não se preocupe.
Devem haver ainda tantas coisas que não sabemos um do outro, mas fico pensando em quando isso tudo será revelado. Sim, minha mania de olhar pro futuro, mirar e ver, sonhar. A isso você também não foi apresentado ainda..Não se assuste, por favor. Sou ainda real, gosto das minhas mulherzices, e tenho meu lado romântico. É que com falhas, abertas e expostas, nos acolhemos e encontramos realidade, onde tudo parece tão vago e surrealista. Mas, prazer, essa é um pouco de mim.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O nada.



"Eu quero fazer silêncio; Um silêncio tão doente do vizinho reclamar" - Chico Buarque


O nada chegou assim que o tudo se foi. Como trem que vem, um logo após o outro. Lento, vago e esvoaçante; com alguma medida em que cabia exatamente toda minha existencialidade. Larguei a mão de ser sempre tão qualquer coisa que completasse meu dia-a-dia, e decidi me deixar fluir com essa nova perspectiva mundana. Tão deixou pra estar. Estou renovada, ainda em branco, prestes a ser escrita. Sem vazio, nem copo meio cheio. Imensa, sim, a vontade dos dias que vem, de que as coisas aconteçam. Como um apostador de elite, e sapiência, na hora exata. Apertar o gatilho e trocar de marcha quando tiver assim que ser. Quando chegar o momento, o nada então na bolsa, dentro da carteira: carregado comigo pra quando precisar, emergências Simplista que é, o nada me trouxe certa paz, e muita harmonia. Descontei toda minha urgência no esvazio que era ser inteira em tudo, e de repente, eu mesma sentada com o aspecto da maior indiferença possível postado no rosto. Quem sabe, algum sorriso no canto da boca, ensaiado. Não mais no olhar o semblante arrasado, de meses atrás. Muito pouco, nada.
Olhava pro céu, e via só estrelas, ao invés de costurar constelações, e marcar planetas. Escutava músicas, e conseguia prestar atenção na letra de forma didática, e não romântica. Se arrumar para si, reaprendi. E o nada ali, por osmose, ligação iônica e totalmente valente. Vezenquando, telepatia. O nada fez um puta favor pra mim: me apresentou uma prima distante, a nenhuma. E quando as pessoas vinham cheias de aflição e ansiedade em minha direção, era sempre as mesmas respostas quase decoradas: nenhuma novidade, nenhuma sensação, nenhuma culpa. Periodicamente, pratiquei o nada mais que sempre. Na ponta da língua, sempre meu novo pupilo como resposta: Que tu tem? Nada. Quer mais alguma coisa? Nada. Que fez ontem? Nada. Fiel companheiro tanto no caminho dos zilhões de compromissos diários, dos leões a serem mortos a cada vinte e quatro horas, como nas manhãs em que durmo até tarde, com nenhum sonho, ninguém para pensar.
Houve o ninguém também. Mas o este magistral, apareceu pouco - só em voz. O bom é que o ninguém muda. E não me faz muita companhia. Condecora minha vivência quando comigo, e se vai sem nem avisar o horário ou data. Visita a cada dois ou três dias, e sempre que vai deixa certo alívio. Antes um ninguém completo e grandioso, a um alguém que existe, e não me dá gosto aos dias, sabor aos minutos. Adotado o nada como meu mascote, vejo só lucro, no horizonte: não conto detalhes da minha vida, falo menos, penso muito e me exponho pouco. O nada que veio mostrou um caminho pro tudo que nem ele sabia ser possível: aqui dentro, internamente. Eu, e o tudo. Reaproximação, casamento bem sucedido. Daqueles que um quase se torna o outro. Me tornei meu tudo, e me deixei nadar no que a vida oferta, em cada oportunidade misteriosa à mim destinada.
Não quero o nada específico, nem ninguém em especial. O que vem até nós sim, seja o tamanho que possua, é possível, é pleno. Se torna essencial.

O que ela não vai te contar.


Mulher é bicho observador por natureza; intuitivo, quem sabe, por genética e máquina registradora do mundo, por missão funcional. E elas olham, e sim, elas comentam. Trocam confidências como quem participa de amigo secreto - as perguntas então, desnudas, e as respostas, sempre infalivelmente recebidas. Na ponta da língua. O que nenhuma delas conta, é o que eu arrisco a desenvolver, então - e se você for mulher, espero que se reconheça nessa geniosa confabulação. Se for homem, melhor prestar atenção.
Ela vai notar o seu descaso, assim como, a sua adoração. Qualquer ligação fora de hora, assim como esquecimento em que ela caia, dias adentro, será noticiado em seu roteiro diário, sim. Vai inspecionar com olhar avaliativo o seu carro, a procura de mais informações do que meramente o seu signo, o seu bairro, ou seus amigos. Um adesivo, uma sujeira, um pilha de livros e: ela sabe ainda mais sobre você, que nem ao menos notou todo esse conhecimento repentino. E quando ela conhecer seus amigos, é melhor não apresentar muitos, e muito menos os que costumam se dar melhor com o público feminino: se ele for gato, entra pra lista que, futuramente, ela poderá ter alguma coisa, quem sabe. Numa festa, soltinha de bebida, enquanto eles se falam, e ela dá a letra - e você ficou no passado. Se você deu no pé, e voou longe por não ter coragem de dar o pé é na bunda dela, as chances do revival nessa relação que não é amizade mas pode ser, e se for colorida, melhor ainda, com seus amigos, será quase uma certeza.
Quando o assunto tomar aquele rumo de prosa desencantada, e tirar todo o gosto do momento juntos, ela vai pensar: falo algo, ou não? e se falar, vou estragar esse silêncio? e por que ele não fala, e eu fico aqui pensado. será que ele dormiu? E você até pode olhar de soslaio e ver aquela carinha que aparentemente não se move, mas na verdade, por dentro enlouquece em divagações dispersas. Mulher e silêncio não são sinônimos. E muito menos, bons amigos. Mesmo aparente, a confusão por dentro é sempre tramada, em chamas.
Ela vai notar se você chama o garçom como quem anota o pedido, simplesmente com o dedo indicador, ou de "meu chapa". Se você for cavalheiro, e abrir a porta, e se portar como um pavão que protege a fêmea caminhando um pouco atrás, e a mão exatamente no meio das costas, ponto pra você. Se deixar claro que sua vida é de gaturno, que você tem vocação pra rei da noite, e disposição pra sair todo santo dia, isso irá também assustar. Outra coisa que ela não diz, é que no primeiro encontro, ela tinha expectativas baixíssimas, e você a surpreendeu. Ou ao contrário disso, ela o achava tudo de bom, e com o tempo, viu ruir seu reinado. Um dos maiores segredos dela é que te imaginava mais alto, e você não era, ou te achava lindo, e viu que não era nada demais, depois do banho. Detetive dos seus segredos obscuros, ela conhecerá facetas suas que nem ao menos você já havia tido contato. E ela vai te abraçar, e sentir o seu perfume. Se for bom, ele vai marcar pra sempre. Se for de cigarro, estará anotado também. Vai fazer vista grossa pra cor das suas cuecas, quanto amostra, e ainda mais para o que você calça nos pés. Ah, outro ponto: ela estranha sim, e demora um ou dois dias pra se acostumar quando você corta o cabelo. Sempre fica aquela sensação de que, antes estava melhor - mesmo estando já igual.
Ao acordar, anotará seu humor vespertino em sua súmula de arbitrária que carrega, subjetivamente, nos bolsos da alma. Assim como dará falta, cada vez que você tentar avançar o sinal, e for cedo demais. E cartão vermelho se você arrotar, soltar gases, olhar descaradamente pra bunda enorme que passa ou levantar a voz - qualquer descuido, é penalidade máxima, sim. Assim como quem ganha o pênalti é você, ao elogiar o cabelo, que ela cortou e finge nem ter ficado tão curto assim, e a cor das unhas, ou o que ela veste. Ou, inesperadamente, a abraçar  e sorrir, olhando nos olhos. Mas a verdade é que todas somos tão perceptivas, quanto intuitivas. À flor da pele, sempre sensíveis. Uma última dica: mesmo assim, se conserve como é. Ela vai se apaixonar por você mesmo de meia furada, com a falta de tato e o cheiro natural da sua pele. Os defeitos são a parte apaixonante que fixa ainda mais no pensamento e na parte de dentro.

O simples muda seu dia.



Nunca pensei que um simples gesto me deixaria tão... Na verdade, me vejo até sem palavras para descrevê-lo. Peguei o ônibus como de costume. Procurei uma cadeira vazia e me sentei. Ao lado da cadeira que escolhi, havia um rapaz sentado. Todo vestido com roupa preta, óculos escuro, uma bolsa cinza e, uma inquietação a mostra. Ficava me olhando meio que de “rabo de olho” e, eu também o olhava. Acompanhava todos os movimentos que eu fazia. Percebi então que ele estava olhando mais atentamente para a capa do meu caderno, onde tem pregadas algumas fotos minha. Olhava para o caderno. Olhava para mim. Eu estava quase para perguntá-lo se tinha alguma coisa de errado. Contive-me. De repente vira-se totalmente para mim e produz um dos gestos mais marcantes de toda minha vida. “Você é linda.” Não com palavras escritas. Muito menos com a voz. Mas, com as mãos. Isso mesmo, com linguagem dos sinais. Me arrepiei na hora. Tentei encontrar uma forma de agradecer e, apenas pude retribuir com um sorriso. Aquele gesto me deixou pensativa não só pelo resto do dia, mas principalmente agora que vos escrevo. Como algo tão simples pode mudar todo um dia? Por várias vezes pessoas me elogiaram, não sei se foram verdadeiras, mas, acreditei. Só que dessa vez foi diferente. Senti coração ali. Percebi que mesmo sem abrir a boca, ou escrever folhas e mais folhas com palavras bonitas é possível sim tocar uma pessoa. Fazer de uma coisa tão insignificativa tornar-se impressionante. E assim a vida segue. Não duvide o “simples” pode mudar tudo.
 

Preserve sua excentricidade, sua identidade.



Ei você. Que tá lendo aí, os meus anseios assim expostos e à mostra. Sim, você mesmo que descobriu esse lugar sabe lá como, com todas essas letras, e poesias, algumas fotos. Olha, você não pode me ver com clareza, e só saberá quem eu realmente sou, o nome que levo na minha identidade, e a cara que vim à esse mundo, se penar bastante procurando. Poucas pessoas me conhecem tão fundo, tão dentro e íntimo que vêem as minhas caras e sabem interpretá-las. Ou meus olhares, que dizem milhões de vezes mais. E por mais que vocês que lêem, que me seguem atrás desses devaneios todos não me cumprimentem ou me abracem, não vejam o meu rosto pálido de lágrimas, ou queimado do sol, a conexão que construo é outra. Vocês abraçam as minhas palavras, os meus dilemas e isso me conforta. E quem me conhece, e ainda lê o que aqui é escrito, deposto, muitas vezes pode ter uma interpretação totalmente equívocada.
Olha, eu demorei anos para construir essa personalidade excêntrica e diferencial. Doeu em alguns momentos não agir como as garotinhas da minha idade, mas eu fiz minhas escolhas. E detesto a igualdade. Odeio que sejam iguais à mim. Por mais arrogante que possa soar, é o que sinto agora. Se escrevo eu, poesias sobre tal assunto, é porque senti aquilo. Se tive tais sobressaltos, ou umas raiva inconsumáveis, quem chorou fui eu. Ridículo é tentar comprar uma perturbação, um problema que não é seu e esquecer a autenticidade lá na estrada, na rua. Fechada fora de casa. Tentando ser o que não é, nem de longe.
Sabe essa unha azul aqui? Azul cobalto, quase marinho. Eu uso, e agora várias por aí copiam. E esse óculos com a borda rosa bebê? Nunca apareceu cotado como hit do verão, e já duas conhecidas minhas compraram óculos idênticos. O que não é diferente com as saias cintura alta que usava porque ficava bem na minha silhueta ampulheta, e achava um charme. E hoje, já ando tendo desgosto de andar por aí, e tanta gente parecida comigo.
Irônico, mas servindo de inspiração, assim longinho, observando à espreita e anotando todos os meus comportantos incomuns. Enquanto companheiras, amigas mesmo, eu ando é sem nada de muito proveitoso.  Olhe e imite, para logo no outro dia "estrear". "Causar" com o que antes, já eu usei e dei o que falar. Como as cangas indianas ou das fitinhas, que usei muito antes de todo mundo. Ou o esmalte carmim nos pés. Ou o verde também, nas mãos. Nas formaturas, quando os pés ficavam trêmulos ou já nem os sentia, quem começou a levar havaianas na bolsa, também foi essa cabecinha incendiária aqui. E duas formaturas depois, milhares de meninas com as maxi bag em plena noite, e tirando as sandálias, dando lugar aos chinelinhos.
E o colégio. Um dos locais onde mais banalizaram minha veia criativa, vide o último ano. Começou com o chá no inverno. Enquanto milhares de estudantes congeando se amontoavam na fila do bar, em busca de um copo de Nescafé, eu avistei ali, as caixinha ocultas e jogadas num canto. Quanto tá? O preço visivelmente inventado na hora, um real e um copo quentinho de chá. Diversas ervas possíveis. Aquecida no meu orgulho, única e a água quente na mão, sorri de diferença. Até o dia em que enfrentei a fila toda e, surpresa: não tinha mais nem um saquinho lá, pra imergir n'água ou contar história alguma. Nem boldo e chá verde para representar a classe. Fiquei triste. Mais tarde, com a chegada da primavera, iniciei a revolução das minhas roupas mais curtas e refrescantes do armário. Detesto passar calor, e aposentei quase que totalmente as calças jeans e sarouel. E iniciei os vestidinhos em aula. Vestidinho ou macaquinho, e jaqueta ou casaquinho, e chinelinho ou rasteirinha. Ou até mesmo, tênis. Mais uma febre. E a minha identidade assim, espalhada pelo pátio do colégios, pelas três séries.
É complicado investir tanto tempo e cuidado em ser você mesma, ser autêntica e pescarem a sua essência assim, no ar. Sorte que, me revoluciono sempre, sou uma mudança tão constante que quando começam a virar um carimbo andante as minhas idéias, já estou lá longe, em outra e com mil novidades e idéias! Assim, o espaço para a cópia, o plágio e a imitação são livres. Tanto aqui no blog, como na vida e em carne e osso.

Você precisa de alguém que te dê segurança.



Cena 1:
Pego o prato servido, e o preço anotado diretamente da balança. Meia volta, e vê. Dois casais, horário de almoço, mesa para quatro pessoas. É como se a solidão aumentasse em zoom preciso, umas dez vezes, e eu então além de poder senti-lá, posso vê-la. E então, olhares. A menina que está de frente pra mim, sentada ao lado de seu possível namorado, affair, amigo colorido, me encara com vontade. Com força. Veemência. Furiosa. Como um cachorro que não larga o osso por nada, só falta rosnar. Passo com classe e elegância, e sorrio com ironia. Levanto, pego uma sobremesa, e o par de olhos verdes, continua a me encarar. Nem bonito era o rapaz. Mas bateu nela, e eu vi o que transpareceu no ar: insegurança, a própria.

Cena 2:
Casal anda feliz pelo Centro da cidade. Caminha de mãos dadas, sorrisos e conversa leve. Sem pressa, e nem pique. Enrolando-se na cordialidade e paixão um do outro. A menina atrasada, caminhando com a velocidade de um furacão, quase correndo. Vestida às pressas, cara limpa, polainas nos tornozelos. Vem ao encontro, de frente e olha o relógio: dá pra caminhar com calma, o tempo joga a seu favor. A mulher apaixonada nota sua presença fugidia - e por que não, charmosa. Aperta forte a mão do companheiro. Muda o tom da voz, a face parece congelar. A garota afobada também a vê. E passando pelos dois que antes pareciam felizes, e agora discutem um problema que não existe, a menina que apenas está atrasada pra sua unica aula matinal percebe mais uma vez, a doença de tantos relacionamentos: insegurança.

Não deveria existir, pra quem segura mãos. Tão pouco, raspa pratos com cumplicidade, e escolhe com charme a sobremesa. Não acredito em relacionamentos que não transbordam cumplicidade, confiança e mais, segurança. Como vencer as tantas barreiras e pilares, obstáculos e provações, sem se ter certeza de que, ao nosso lado, está alguém que não vai nos soltar ao menor sinal de perigo? Diz a letra do Gessinger, e a gente canta em sincronicidade: Você precisa de alguém, que te dê segurança; se não você dança. Se não você dança. E baila mesmo.
Segurança, não é ouvir cinco vezes por dia "eu te amo". Muito menos, dizer. É sentir que a pessoa que caminha do seu lado, te busca na sua porta, e te liga por pura vontade, quer estar ali por uma escolha dela - e  não, por uma imposição sua. É dar liberdade, sem esperar que a pessoa também te dê. A velha estória de que, a liberdade em si, é o que prende o mais livre dos seres. Ter certeza, ninguém tem. Mas a gente sabe; a gente sente. Sinceramente, não sei o que leva pessoas a ficarem tão inseguras. Garota, ele segura a sua mão, porque ele quer. Tenho certeza de que, ele não está com você apenas pela beleza, e não vai ser a harmonia de formas que ele avista na rua, que vai comprometer o relacionamento de vocês. Geralmente, quando a cárie dos apaixonados resolve bater à porta, o problema está mais afundo, mais complexo. E o relacionamento, já vem se definhando. Os últimos a perceber, são quem nele está submerso. O que acaba um casal feliz não é uma mulher em si, e sim, a vontade de trair, de colocar um ponto final. As questões do sub-consciente que ninguém gosta de visitar, disfarçadas. Você está aí acompanhada, enquanto aquela mulher, por mais formosa que seja, está ali sozinha. Pode até ter alguém no pensamento, no coração. Porém no momento, não passa de uma cidadã solitária. Quem deveria estar nervosa, remexida por dentro: você, ou ela? Se algo não vai bem na relação, não adianta apertar mais forte a mão do outro, ou fazer um show de demonstrações de afeto. Prender ainda mais, faz soltar-se sozinho. Ele quer cuidar, amar e ser feliz. E acredito que, numa prisão, é o último lugar da face da Terra que ele desejaria estar. Então, pare de encanar com o que não vai acontecer nem em pesadelo, e fique contente - trate bem quem gosta de você, e se uniu à pessoa maravilhosa que com certeza você é, e esqueça-a. Não custa lembrar, mas: ela é apenas bonita, e não o fim do amor eterno em que você vive. Geralmente, ela nem a ver com tudo isso tem. E isso tudo é o que na minha indignação e frustração, frente ao namoro dos outros, eu gostaria de ter dito. Pela intimidação das mulheres inseguras, eu deveria ter falado. Porque o outro lado solitário, sofre - mesmo calado, e nessa época do ano.
Fique alegre se você tem alguém do seu lado, e mais alegre ainda se você não tem: a sorte sorri para alguns, e promete acontecer para todos. Estar atento, e curtir o momento, é a chave pra qualquer relacionamento de sucesso, começando pelo mais ilustre de todos eles: o amor-próprio. Além de tudo, exercitar tal arte, é delicioso. Have fun!

Mulher pra outra vida.


Conheci a mulher da minha vida. Pra hoje não, que tô cansado demais, e minha única companhia vai ser o controle remoto, um pote de pipocas e minha mão dentro da cueca. Mas pra semana que vem, quem sabe, quando eu tiver a fim de dar umazinha e com um tédio da vida, daí vai vê ela pode servir pro momento, ou tomar alguma atitude inesperada de vadia desvairada, ou mulher independente e indiferente que a faça subir no meu conceito. Depois do sexo, é claro. 
Ela é praticamente perfeita, cara. Daí você pode estar se questionando, ou com uma puta vontade de me perguntar, por que é que eu rejeito chamadas, não respondo essas mensagens e tento ao máximo me encher de programas entre os amigos? Não, te juro que ela não é um canhão. Aliás, bem pelo contrário. Uma baita gostosa. Pernão, cintura fina, boa de sutiã, e aparentemente, boa sem também. Cabelo natural, daqueles que dá vontade de ficar cheirando e passando a mão o tempo inteiro. E uma boca graúda, miudinha, mas quando com batom me dá aquela vontade de tirar inteiro, pra desarrumar um pouquinho tanta vaidade. É gata, tô te falando. O pior: o negócio é mais complexo do que comer e largar fora, entende. Ela se dedica a me mostrar o melhor dela, e em ser especial, única. 
Ainda é inteligente. Se esforça no curso que tá terminando, trabalha e faz tudo isso sozinha, dirigindo pela cidade o carrinho pequeno e popular que os pais deram. Nunca repetiu no colégio, passou de primeira no vestibular e faz as palavras cruzadas de manhã, comendo iogurte logo depois de lamber a tampa. Não me liga a cobrar, e nem a toda hora. E brother, ela entende ainda aquelas nossas figuras de linguagem, e ironias. Faz piadas nos momento adequados, e com a dose certa de humor - nem querendo bancar a palhaça desesperadamente, e nem com o ar arrogante dos pessimistas. Corre no calçadão um dia sim e outro não, e tem um puta gosto musical. Entende de música, assim como compreende todo o resto de um mundo que eu desconhecia até então. Lava a louça depois do jantar, mija de porta fechada, e toma cerveja. Cara, ela toma cerveja! Ponto positivo, eu sei. Além de, não ser fresca para comer. Gosta de tudo, menos de tomate - assim como eu; olha que coincidência. Me arriscaria até mesmo a dizer que, se fosse em outra vida, ela era mesmo a mulher com quem eu envelheceria do lado, e teria netinhos, e todas aquelas pieguices que a gente quer, e no fundo nem deixa claro.
E então, aqui estou eu, te contando que me policio pra não atender esse mulherão em potencial, e me vigiando pra não encher demais a bola da musa, e sim, correr da esfinge. Seria completamente melhor estar agora do lado de uma lady, bebendo cerveja, vendo filmes de ação (que ela também adora), fazendo sexo e admirando o corpo violão que ela tem. Ela é gente fina, gostosa, engraçada e inteligente. Só tem um defeito que vale por tantas boas qualidades: gosta demais de mim. Gosta tanto que me deixa livre, e desimpedido, apenas conhecedor do sentimento que ela nutre pela minha pessoa desprezível, quiçá esperando que eu tenha um pouquinho de decência e me apaixone por ela de volta também. E não consigo, não rola. Tento, e falta algo, um quê a mais, uma loucura que ela cometa e me faça identificar os possíveis futuros sinais de felicidade, ou um sumiço que me faça se tocar: olha, até sinto sua falta. Mas não. Ela está ali, sempre quando preciso, e eu não quero ir adiante porque eu sei que o estrago será grande. E que minha mediocridade é grande demais pra todo o talento que ela tem para ser a melhor mulher do mundo. Por isso é que repasso a ficha, devolvo a carta ao baralho. Ela é mulher demais pra mim, enquanto eu sou homem de menos pra ela. E a única pessoa que não se tocou disso ainda é a musa, a bela. Quem sabe o silêncio a avise, cara. Tenho total ciência de ser mesmo um ridículo, um babaca, um idiota. Burro, eu sei. Até pra filho da puta acho que sirvo. Não sei nem ao menos gostar de quem gosta de mim, porque no momento só sei gostar mesmo é de mim mesmo, e do meu ego mal massageado. Ela que é a mulher certa, na minha hora que é sempre a errada. Espero que ela entenda, e não me odeie. Não pra sempre. Mas ó: é gostosa, hein.
  

Abaixo á sedução.


Olhar por dois segundos, e desviar o rosto. Fazer algum contato corpo-a-corpo, imediato. Puramente físico. Sorrir até cansar o canto da boca; dentes à mostra, lábios imersos em algum gloss ou batom realçador (e durável). Fazer mistério, e ainda assim, ser simpática. Voz dengosa. Cabelos perfeitamente lisos, calças jeans da sorte, e o casaco preto que realça. Ainda assim, minha sedução premeditada e ao vivo se resume em zero por cento. Travar frente aos pulos automáticos do meu coração enorme, é comigo mesma. Seduzir o alvo certeiro, como se faz? Preciso, inegavelmente aprender. Ou não.
Auto-confiança, dizem ser essencial. Isso eu tenho - até de sobra. O amor que tenho por mim mesma chega a ser chato e cansativo, e já começo jogando errado: tenho que perguntar sobre o outro, e não falar de mim mesma. Parar de analisar todo e qualquer movimento do lado contrário, e cuidar minimamente, os passos meus. É tanto love myself, que procuro alguém perfeito. E sabendo que não existe, vou aceitando as tentativas no caminho, os trocos que me são dados. Amo meu cabelo mais do que tudo, tenho uma boa relação com o meu corpo agora, minhas roupas causam inveja alheia. Maquiagem, às vezes. Brincos e jóias, sempre. O defeito então, aí não está. Deve estar na minha burrice para crer que, posso ser atraente, caso assim me sinta (tarefa difícil quando já se foi tenebrosa algum dia).
Misteriosa, sou apenas de início. Se me derem corda, desando a falar, e falar, e falar. Se pílulas falantes existissem, certamente eu seria uma compulsiva. Faço enigma sobre algumas coisas, e noutras, me aprofundo com firmeza precisa. Sou mais curiosa do que gero curiosidade. E não sei até que ponto isso me favorece.
Algumas vezes, abuso da sensualidade; noutras, viro quase uma freira. Gosto de moda, e tento usar o que me favorece. Porém, experimente ter um corpo bem brasileiro ou melhor, "sinuoso" e vamos ver se você consegue passar longe da vulgaridade. É uma tarefa difícil. Sina também é isso.
Minha voz é alta, e nasal. O contrário do que é considerado "atrativo". Não sei falar calma e pausadamente, e muito menos, baixo. Se não conheço, não minto. Não finjo amar nada do que não gosto, e faço questão em mostrar que sou diferente. Não toco quem mal conheço. Detesto que façam o mesmo comigo, e associo tal atitude um pouco como falta de respeito. E me jogar em cima de alguém, não está realmente, entre as minhas projeções. Existe sim, uma diferença entre seduzir, e se jogar. Na segunda opção, você pode terminar atropelada - e as suas chances, completamente no chão. Jogos de amor não me apetecem. Ligar, e sumir dois dias. Rejeitar convites, e convidar pra jantar. Captar, e depois, ser pega. Não dá pra ser tudo mais simples, tudo mais leve, algo mais sincero? Na contramão, atraio quem não desejo. Talvez por não acatar às músicas que se misturam ao álcool e não sorrir com falsidade, insegura por dentro. Deixo de seduzir quem realmente quero, porque ser enfeitiçada é benéfico à alma também. E assim acato ao que me aparece no caminho. Com muito desapego porque nada me brilha, nem me faz caçar o tesouro mais à fundo.
Por enquanto, na beirinha das ondas, deixando que molhe os pés vez que outra. Quando mergulhar, que seja para ir ao fundo, e redescobrir todo um oceano. Com muito olhar desmedido e fascinação recíproca; porque submergir em companhia pode ser ainda melhor, e se descobrir no outro desvendando também o véu do outro lado é o que nos salva da promiscuidade desse mundo atual.