Sei lá, é meio como entrar no mundo das drogas, eu imagino. Viciante. Bola
de neve, já que é inverno também (e não a igreja). Mesmo quando um dos lados
(quase sempre eu) acorda assustadiço aí pelas 5h40 da manhã pedindo um abraço,
dez abraços, cem milhões. E feito criança no berço que não solta o dedo da mãe,
adormece sem desgrudar - foda-se o desconforto físico, é o emocional que precisa
de calor humano pra se sentir vivo de verdade. Vai se deixando algo mal resolvido ali, no
caminho qualquer outra coisa que deveria ser dita e não foi, e ok, a pressa é
tanta em ficar bem que daí, depois, o acúmulo de frases não-ditas, sensações mal
explicadas, comportamentos condenados.
É fase, todos dizem. Basta o sumiço. Tempo longe. Coisas desse tipo que
devem fazer casais naturalmente felizes e tão diferentemente parecidos um com o
outro voltarem a valer a pena. Quietinha, quietinha. A causa é nobre: liberdade
e paz, e fuga. Pensamentos no lugar, o resgate de um soldado qualquer que um
amontoado de brigas irracionais levaram à fuga dos momentos bons.
"A gente se ama, não adianta", num sussurro. "Tu tá quase chorando",
debruçada assim no peito onde dói pra depois cair e escutar "Tô nada, jura" - os
olhos cheinhos d'água salgada que não cai nunca, claro. Não caia há dez anos e
há um fizeram do cara forte nos mais diversos sentidos que é quase minha
fortaleza, gurizinho em choque que correu pra lá na praça, tão assustado. Nunca
tão lindo.
Sei que vai passar porque toda vez que ensaio ir embora, abandonar a barca,
ir pro esconderijo sem a mínima vontade própria, por puro drama mesmo, não
consigo: não dá, não quero, me coloco em frente a porta e o vejo tirar os tênis
e jogar a chave do carro longe. Anda difícil, mas desistir de nós dois é muito
mais.
Clichê, mas amor sobrevive: acorda com preguiça do frio na cama quentinha,
enlaça os pés, afaga muito e vê que tem sol. Entre loucura de ser feitos um pro
outro e também não, a tempestade. Só passa se dividindo guarda-chuvas, culpa e o
mesmo riso fácil dos concursos de quem desenha (pior) melhor; vencida essa fase,
feitos pra sempre.