domingo, 27 de março de 2011

Utopia outonal.




(Nós vamos entrelaçar os pés nas manhãs refrescantes de outono, assistir lutas de madrugada na televisão, dar voltas intermináveis de carro pela cidade, fazer duetos de músicas bregas, viajar para as montanhas e sentir o ar gélido na ponta do nariz, vermelho. Dormirei com seu pijama, enquanto lhe empresto meus livros. Você me pedirá ajuda com os mapas, e no meu fracasso, uma pequena briga. Pela nossa cumplicidade tamanha, e ventura desvairada, curada logo em seguida, em cálidos beijos no pé do precipício: quando o infinito é sim, além. Haverá a busca dentro da chuva, no meio da noite, em que você me resgata da revolta dos dias de azar. Jantar à luz de velas, quando a eletricidade cessar sem tempo certo para voltar. Fotos tiradas apenas de nosso conhecimento. Abraços apertados no meio da cozinha. Dois celulares desligados.  Folhas de outono secas, presenteadas, no meio da agenda - recordação - disso que iniciamos viver e hesitamos nos beliscar, caso seja sonho e acordados sejamos para o regresso à realidade fria e crua, desmazelada, a que vivemos. Por enquanto, não. Brigamos em meio aos travesseiros, e ofegantes, cessamos os movimentos físicos para dar início às filosofias da fala. Rodopiamos por entre todos os assuntos do mundo, em nossos pensamentos comuns. Cozinharei, para que você lave a louça mais tarde. Tomaremos champanhe no bico, no mesmo gargalo, sem se importar se amanhã é quarta-feira ou segunda e a rotina nos chama. Venerarei com meus olhos detalhistas a nuca onde, por mim, faria moradia. O par de olhos no escuro, que é laterna e projeta no quarto reflexos da nossa brincadeira de ser casal, inconsumada. Os ombros largos, onde faço gosto de me resguardar inteira: sempre. E detestaremos tomares, exaltaremos chocolate e café de todos os tipos. No colo um do outro, divagações sobre as catástrofes mundiais, intermináveis e suscetíveis. Seu braço em torno do meu pescoço, no relampejo mas forte. Minhas mãos amaciando suas costas, depois dos dias cansativos. Pensar que o mundo que desconhece você, é uma parte da Via Láctea a não ser visitada; é infeliz. Desafabos sobre a vida moderna que nos atrela, no feriado que é cada um desses instantes mágicos, em dupla. Dançaremos ao frenesi do luar, na sacada mínima de onde você vive. Desejaremos o céu como rota. Compartilharemos sonhos em comum. Ter você pela manhã, querendo fazer parte do seu dia todo. Me entregar a você, de tardezinha, para que a noite seja nossa e prolongada. Das poucas horas juntos, faremos com que na marra, sejam estas intermináveis. Dos dias separados, uma saudade aumentada para que quando consumida, em conjunto, a intensidade do toque, dos gestos, das palavras, em nós atinja em cheio - e deixe avivado tudo aquilo até então, construído. Querer você mesmo suado, sem nojo, pudor ou culpa: de mãos dadas com o desejo. Escrever no seu espelho com batom antes de sairmos de casa. Beijar você do seu andar até o térreo, sem se dar conta que a porta abriu e o elevador chegou ao estacionamento. E principalmente, por desconhecer o que o futuro reserva, guardar tudo isso na memória, nas páginas mais bem decoradas e acessíveis para revisitar sempre, a qualquer hora. Como as folhas de outono no meio da agenda, aquelas que você me deu enquanto passeávamos com o cachorro no parque perto aqui de casa).
É quando ele sai do banho e me vê pensativa olhando na janela a chuva fina que cai e nos pegará em instantes, em mais essa manhã de palavras poucas e resmungos significativos. Indaga:
- O que é que você tá pensando aí, quieta?
- Nada. Começou mais um outono, só isso. Vem pra cá enquanto o tempo é nosso.