Cena
1:
Pego o prato servido,
e o preço anotado diretamente da balança. Meia volta, e vê. Dois casais, horário
de almoço, mesa para quatro pessoas. É como se a solidão aumentasse em zoom
preciso, umas dez vezes, e eu então além de poder senti-lá, posso vê-la. E
então, olhares. A menina que está de frente pra mim, sentada ao lado de seu
possível namorado, affair, amigo colorido, me encara com vontade. Com força.
Veemência. Furiosa. Como um cachorro que não larga o osso por nada, só falta
rosnar. Passo com classe e elegância, e sorrio com ironia. Levanto, pego uma
sobremesa, e o par de olhos verdes, continua a me encarar. Nem bonito era o
rapaz. Mas bateu nela, e eu vi o que transpareceu no ar: insegurança, a
própria.
Cena
2:
Casal anda feliz pelo
Centro da cidade. Caminha de mãos dadas, sorrisos e conversa leve. Sem pressa, e
nem pique. Enrolando-se na cordialidade e paixão um do outro. A menina atrasada,
caminhando com a velocidade de um furacão, quase correndo. Vestida às pressas,
cara limpa, polainas nos tornozelos. Vem ao encontro, de frente e olha o
relógio: dá pra caminhar com calma, o tempo joga a seu favor. A mulher
apaixonada nota sua presença fugidia - e por que não, charmosa. Aperta forte a
mão do companheiro. Muda o tom da voz, a face parece congelar. A garota afobada
também a vê. E passando pelos dois que antes pareciam felizes, e agora discutem
um problema que não existe, a menina que apenas está atrasada pra sua unica aula
matinal percebe mais uma vez, a doença de tantos relacionamentos:
insegurança.
Não deveria existir,
pra quem segura mãos. Tão pouco, raspa pratos com cumplicidade, e escolhe com
charme a sobremesa. Não acredito em relacionamentos que não transbordam
cumplicidade, confiança e mais, segurança. Como vencer as tantas barreiras e
pilares, obstáculos e provações, sem se ter certeza de que, ao nosso lado, está
alguém que não vai nos soltar ao menor sinal de perigo? Diz a letra do
Gessinger, e a gente canta em sincronicidade: Você precisa de alguém, que te dê
segurança; se não você dança. Se não você dança. E baila
mesmo.
Segurança, não é
ouvir cinco vezes por dia "eu te amo". Muito menos, dizer. É sentir que a pessoa
que caminha do seu lado, te busca na sua porta, e te liga por pura vontade, quer
estar ali por uma escolha dela - e não, por uma imposição sua. É dar liberdade,
sem esperar que a pessoa também te dê. A velha estória de que, a liberdade em
si, é o que prende o mais livre dos seres. Ter certeza, ninguém tem. Mas a gente
sabe; a gente sente. Sinceramente, não sei o que leva pessoas a ficarem tão
inseguras. Garota, ele segura a sua mão, porque ele quer. Tenho certeza de que,
ele não está com você apenas pela beleza, e não vai ser a harmonia de formas que
ele avista na rua, que vai comprometer o relacionamento de vocês. Geralmente,
quando a cárie dos apaixonados resolve bater à porta, o problema está mais
afundo, mais complexo. E o relacionamento, já vem se definhando. Os últimos a
perceber, são quem nele está submerso. O que acaba um casal feliz não é uma
mulher em si, e sim, a vontade de trair, de colocar um ponto
final.
As questões do
sub-consciente que ninguém gosta de visitar, disfarçadas. Você está aí
acompanhada, enquanto aquela mulher, por mais formosa que seja, está ali
sozinha. Pode até ter alguém no pensamento, no coração. Porém no momento, não
passa de uma cidadã solitária. Quem deveria estar nervosa, remexida por dentro:
você, ou ela? Se algo não vai bem na relação, não adianta apertar mais forte a
mão do outro, ou fazer um show de demonstrações de afeto. Prender ainda mais,
faz soltar-se sozinho.
Ele quer cuidar, amar
e ser feliz. E acredito que, numa prisão, é o último lugar da face da Terra que
ele desejaria estar. Então, pare de encanar com o que não vai acontecer nem em
pesadelo, e fique contente - trate bem quem gosta de você, e se uniu à pessoa
maravilhosa que com certeza você é, e esqueça-a. Não custa lembrar, mas: ela é
apenas bonita, e não o fim do amor eterno em que você vive. Geralmente, ela nem
a ver com tudo isso tem. E isso tudo é o que na minha indignação e frustração,
frente ao namoro dos outros, eu gostaria de ter dito. Pela intimidação das
mulheres inseguras, eu deveria ter falado. Porque o outro lado solitário, sofre
- mesmo calado, e nessa época do ano.
Fique alegre se você
tem alguém do seu lado, e mais alegre ainda se você não tem: a sorte sorri para
alguns, e promete acontecer para todos. Estar atento, e curtir o momento, é a
chave pra qualquer relacionamento de sucesso, começando pelo mais ilustre de
todos eles: o amor-próprio. Além de tudo, exercitar tal arte, é delicioso. Have
fun!