quarta-feira, 6 de abril de 2011

Aquilo que fica.



Olho pra esse cheio em fundo falso, enganador, e adentro o vazio descomedido de ter tudo, e não pertencer realmente a nada. É meu sentimento arrebatador e reacionário, imperativo e odioso - sempre urgente - se tornando leviano e sutil, até mesmo plural? Quando se deu início esse golpe vagaroso até o ponto que cheguei, de amores de um dia e meio, amanhã outro qualquer, e assim sucessivamente, se desdobrando no interesse gritante e abafado, saciado, para logo em seguida se desprender no menor ato possível: lentamente soltar as mãos, espaçar com cuidado, para checar logo o que vem em seguida, quem encontrarei numa próxima peripécia. Meu amor, antes duradouro e batalhado, penoso e atribulado, agora voa e pousa de lábio em boca, de boca a ombro, de um cara mais velho que tem tudo a ver comigo, ao rapaz de mesma idade que mal sabe o que quer da vida. Unificado antes, agora múltiplo; distribuído.

De uma última decepção, além de um respeito recém formado e carinho, quem sabe, pelos poucos momentos de felicidade, um pouco da personalidade do outro. A característica que fez questão de me destruir e sabotar, implantada então, em mim. Osmose, telepatia, transfusão, química. Fiquei com a inconstância que abominava, ou me transformei por sobrevivência naquilo que eu mesma tanto incompreendi? Tatuei nele também talvez minha intensidade, ou persistência, deslumbramento ou candidez antes da leva tempestuosa do tempo? É provável que sim. Espero que, por favor - se fiquei eu com a sequela de cair na armadilha do que me era contrário e aprendi a ponto de absorver o que abominava, que seja quite; que nele, o ensinamento seja a ter garra e força de vontade quando o desejo arfar, internamente. Disso que dissolveu com o passar dos dias o encantamento e a sedução, os falseios que a imaginação cria sem permissão, a certeza de fortificada, não deixar qualquer um entrar e nem ao menos bater na porta - da janela, observo e escolho a dedo quem devo recepcionar com chá e biscoitos, e quem apenas com desprezo trato.

No momento, uma frívola. Desatenta a quaisquer sinais no caminho, às ligações desinteressantes, à quem logo percebo que, não vale a pena. Farta a minha vontade, a retirada de campo. Parto como quem nunca nem ao menos chegou: com a mente esvaziada e tranquila, focada no que ainda vem. Afim de compreender o que sucedeu, penetramos quem sabe em pensamentos filmados do outro em ações e reações, silêncios condizentes. Atrizes que somos, vamos tão fundo na essência que nos feriu, na índole masculina como laboratório para nos sagrarmos escoladas e com diploma em mãos, desejosas na ânsia de estarmos prontas para as próximas provas (ou provações) que a vida se encarregar de trazer. Usufruímos como medalhas tardias aquele pedaço incapacitado quando no sofrimento: fardadas e colecionadoras, levamos no peito cada nova regrinha aprendida, para olharmos com carinho quando a afeição começar a brotar, e não erremos mais essa vez.

Do que já me passou, carrego a paciência que aprendi a ter, junto com a demonstração precisa de sentimento (ocasional, porém se homeopáticamente correta, salvadora). Certa confiança perene no futuro, e a despreocupação que dá fôlego a mim, e tempo para respirar ao outro. A vontade de ser louca e despudorada, morena, baixa, tatuada, inteligentíssima, uma santa. Aquilo que fica é sempre o que captamos em pequena quantidade, e torcemos para que logo se vá. Para que a essência retorne, e esqueçamos a fala decorada de ser o outro, o desejo de se transformar no monstro para ver como é. Nos atos, um toque do ensinado é suficiente para seguir em frente com fé nos impulsos e insights, tão treinada a mente está. Ficamos, na verdade, na beira do outro, querendo mergulhar e imersos em nós mesmos - sem saber que o mar interno alheio é desconhecido e os perigos se tornam surpresas. O consolo do que fica é a intuição do que tem que ser: necessária e audível.