Conheço de Leila muito pouco pra quem é jovem
da época de agora: alguns poucos filmes, entrevistas assistidas em várias e
várias partes, depoimentos sobre e coisas que disse a icônica atriz antes de vir
a falecer, numa dessas viagens da vida, voltando da Austrália, na
Índia.
Jovem, se foi pensando ser imortal para viver
muito ainda de amores – que em morrer, Leila não queria nem pensar. Quebrou a
barreira de anos e anos de preconceitos, com seu barrigão grávido em plena
praia, suas frases enraizadas de acidez e sinceridade, na falta de dom ao tão
defasado (hoje) matrimônio. Foi uma das amantes do cafuné, estrelas do amor
livre, simples, honesto, e sem os clichês, tabus e fantasias que nós, as
pessoas, injetamos em boas doses no cerne do relacionamento.
Por isso que reafirmo a letra de Rita Lee, com
um pequeno reforço: toda mulher é um pouco do muito que foi Leila Diniz. É
aquela sozinha, que de solitária não tem quase nada, tão bem que se dá consigo
mesma. Apaixonada pela arte do sexo e dos benefícios do fazer amor, de se
compreender a carne como um desses desejos urgentes, a labareda fulminante que
capta a fome da alma. Professorinha na arte de quebrar a cara e não fugir da
raia, nunca arrependida daquilo que abandonou no meio do caminho por problema,
neurose ou preconceito. Leila, assim como todas nós que não negamos a raça,
sabia que o amor é uma coisa que depende muito da gente: requer cuidado e
limpeza diária, é um desses objetos que a gente gosta muito e morre de medo que
quebre.
Receitava ela própria muito mais ginecologista
que psicanalista – numa alusão de que a trava feminina antiga era, na verdade
mesmo, as mulheres dividindo a mesma cama com a vontade própria e a opinião da
sociedade e alheia. Sobre seu modo de vida, nunca fez o menor segredo: foi
livre. Com a saúde mental perfeita de quem não evitava o amor nunca, nunquinha.
Porque Leila era mais carne que osso, atitude que silêncio, autenticidade ao
invés da regrada vida bem indicada pra moças em época de ditadura. Abriu portas
por onde hoje a gente desfila, trajou vontades impetuosas; mas também
estupendas. Pra época, extravagantes.
Quatro décadas mais tarde, estamos aqui nós
imaginando na senhorita Diniz uma boa amiga, a meio louquinha que nos daria
conselhos insensatos que fariam o maior sentido apenas quando levados
em
consideração. Libertina , transgressora, mulher de muitas
verdades incontestáveis que hoje a gente quase aplaude, tamanhas. O Brasil
aprendeu: porque as "leis" tem que ser próprias. Cada uma território, ilha ou
mar de si. Uma aula de ser única e como fazer história, mesmo a trajetória
interrompida de quem ainda muito bem faria à cena tanto passada como
atual.