domingo, 17 de junho de 2012

Toda mulher é um pouco muito de Leila Diniz

 




Conheço de Leila muito pouco pra quem é jovem da época de agora: alguns poucos filmes, entrevistas assistidas em várias e várias partes, depoimentos sobre e coisas que disse a icônica atriz antes de vir a falecer, numa dessas viagens da vida, voltando da Austrália, na Índia.

Jovem, se foi pensando ser imortal para viver muito ainda de amores – que em morrer, Leila não queria nem pensar. Quebrou a barreira de anos e anos de preconceitos, com seu barrigão grávido em plena praia, suas frases enraizadas de acidez e sinceridade, na falta de dom ao tão defasado (hoje) matrimônio. Foi uma das amantes do cafuné, estrelas do amor livre, simples, honesto, e sem os clichês, tabus e fantasias que nós, as pessoas, injetamos em boas doses no cerne do relacionamento.

Por isso que reafirmo a letra de Rita Lee, com um pequeno reforço: toda mulher é um pouco do muito que foi Leila Diniz. É aquela sozinha, que de solitária não tem quase nada, tão bem que se dá consigo mesma. Apaixonada pela arte do sexo e dos benefícios do fazer amor, de se compreender a carne como um desses desejos urgentes, a labareda fulminante que capta a fome da alma. Professorinha na arte de quebrar a cara e não fugir da raia, nunca arrependida daquilo que abandonou no meio do caminho por problema, neurose ou preconceito. Leila, assim como todas nós que não negamos a raça, sabia que o amor é uma coisa que depende muito da gente: requer cuidado e limpeza diária, é um desses objetos que a gente gosta muito e morre de medo que quebre.

Receitava ela própria muito mais ginecologista que psicanalista – numa alusão de que a trava feminina antiga era, na verdade mesmo, as mulheres dividindo a mesma cama com a vontade própria e a opinião da sociedade e alheia. Sobre seu modo de vida, nunca fez o menor segredo: foi livre. Com a saúde mental perfeita de quem não evitava o amor nunca, nunquinha. Porque Leila era mais carne que osso, atitude que silêncio, autenticidade ao invés da regrada vida bem indicada pra moças em época de ditadura. Abriu portas por onde hoje a gente desfila, trajou vontades impetuosas; mas também estupendas. Pra época, extravagantes.

Quatro décadas mais tarde, estamos aqui nós imaginando na senhorita Diniz uma boa amiga, a meio louquinha que nos daria conselhos insensatos que fariam o maior sentido apenas quando levados em consideração. Libertina, transgressora, mulher de muitas verdades incontestáveis que hoje a gente quase aplaude, tamanhas. O Brasil aprendeu: porque as "leis" tem que ser próprias. Cada uma território, ilha ou mar de si. Uma aula de ser única e como fazer história, mesmo a trajetória interrompida de quem ainda muito bem faria à cena tanto passada como atual.