segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Olhares, fantasmas, futuro.



- As pessoas não me entendem.
 Remexe com o palito de plástico o copo de café quente, em pleno verão, e olhando para o fundo da bebida recém expressa, que exala fumaça. Olhar triste, bico nos lábios, e os olhos novamente nele; atento e de mãos vazias frente à tanta incompreensão mútua, quieto.
- Elas querem, mas ficam além. Explico toda essa minha linha de raciocínio, e só eu é quem chego até o final na mesma empolgação, e aceleração inicial. Se perdem por entre os trajetos que desenho, e dobram justamente onde deveriam seguir em frente. Eu é que não desisto, e rasgo a faixa de chegada, toda vez. Sozinha.
Nada. Ele não dizia nada. Feito padre, que ouve a confissão atento, e não sabe ainda quantas ave-marias quer que reze, ajoelhada. Feito psicóloga que esqueceu o 'uhum' sussurrado, naquela artimanha já arquitetada de dizer: ainda estou ouvindo. Estou aqui, mesmo sem palavras compreensíveis, de entendimento.
Bebe o café, e ainda sem designar qualquer movimento seguinte, flutua entre esse silêncio exclusivo, ardido. Penetra os olhos na face quadrangular do rapaz, que apenas assiste ao monógolo, sem interrupções tardias. E a ouve prosseguir, justamente por detestar toda e qualquer quietação inocente, alarmante.
- Eu não sou daqui? Sou, eu pertenço a esse agora, este lugar. Tanto que pego sol, e sambo no carnaval. Ocasionalmente, como carne vermelha. Até mesmo visto roupas de ginástica, e sei o hino brasileiro de cor e salteado. Se quero ser feliz? Mais que tudo. Como nunca. Pra já. Estou bem, mas não com aquela vontade de irritar quem comigo convive com o sorriso oblíquo e incessante de tempos atrás. Só fico bem, em paz, e assim, com essa vontade de viver que não gasta, e só acumula. Vasculhado erros passados, rebobinando a mesma fita antiga e em VHS, que já cansou de correr pela minha vista.
Nenhum som como resposta, continuação do monólogo. Apenas dois olhos de jabuticaba estreitos a observando; atentos, cúmplices.
- Tento, juro que tento. Você sabe que eu tenho intentado. Mas e daí que você apareceu, e eu não vibrei. Nada aqui dentro estremeceu. Nenhum arrepio ao te ver, medo de ser de verdade, e sincera o tempo inteiro. Tão eu mesma, que talvez, tenha te cativado. Sem pretensão de enganar, mas sim, de tentar uma felicidade já prematura, nascida quem sabe pra surpreender meus dias de caos interno. Acalmou por certo tempo, mas não penetrou o mundo apartidário onde meus sentimentos tem se escondido, entende? Quis que fosse você a resposta pra boa parte dos meus problemas, mas as questões se mostram cada vez mais fortes, e não é o seu segredo que as liberta. Além desse turbilhão, você continua aqui. Ao meu lado, segurando minha mão, pagando meu café. Com a ciência culposa de saber que meu amor à ti não é direcionado. Na esperança que, algum dia te goste como me vi no inferno, tentando salvar minha própria alma: incendiando em afeto. Quero tanto quanto você que esse dia chegue, te digo. E espero que acredites, sem tentar sentir demais por mim, e aceitar isso de cabeça baixa - mas sim, com orgulho.
Reticência. Calada, quieto. Íris oculares vedadas, quatro. Ele sério. Ela, rosto recém seco de lágrimas escapadas, irrompidas. A cena de o passado rondando a rua, cumprimentando, transpassando sentimentos adormecidos, para ela. Para ele, insegurança. Certo medo. Mão dela apertada forte, para que não se fosse, para que se segurasse com vigor naquilo que sentira em vão e já se ido tinha, todos os dragões que ele fez questão de espadar no lado esquerdo, no coração. Toda e qualquer planta carnívora que ameaçasse alimentar ilusões do que não era correspondido, e comer os pequenos pedacinhos de amor que ele plantava, dia após noite. Ligação após mensagem. Surpresa pós beijo.
Ainda assim, a queda. Cura pela metade, desenho ainda molhado retirado antes de esperar secar: voltando a borrar a folha, tirando a beleza daquilo que já finalizado, estaria exposto na parede, como recompensa, regalo, amostra de força. A denuncia no choro da moça além de borrar a maquiagem, deixou claro que a pintura muda suas cores e rabiscos, mas o quadro ainda é o mesmo. Infelizmente.
Voz máscula irrompendo o momento de melancolia, após o encontro do inesperado e desconstrutor; fatídico.
- Tanto faz que você chore, e a manga da minha camisa é que seque as suas lágrimas. Ou que você ainda não esteja curada, e precisasse ver de perto o vilão para engolir de vez o crime. O que importa, na verdade, é que eu esteja aqui. Porque quero, porque te gosto tanto, e não ligo a mínima que me transforme furtivamente em qualquer objeto para que você tente, e eu te pegue de novo no colo. Não ligo que faça com que seu tempo passe, e no mais, a paixão que eu faça crescer por você seja tão maior que esse carinho torto que você tem por mim. Quero saber é do agora, e estou contigo. Te comprando café, e fazendo feliz, a cada minuto que posso. É dessa tentativa que tento te ajudar na reconstrução interna, e te livrar de todos esses fantasmas do passado. Olhando pra frente, e caminhando ao teu lado.
Foi no olhar grudado a seguir, que ela firmou todos seus pensamentos pro futuro, e deixou apenas escritas na alma suas memórias, e decidiu que a chance para o futuro era agora palpável, possível e positiva. Em suas mãos.