domingo, 1 de maio de 2011

Senhorita sem sal



Ela não grita. Nem chora em público. Mal se mexe. Sucumbe em si todos os chiliques e engole sapos e verdades, e palavras que deveriam sair, mas ficam na boca da garganta, estocadas. Você pergunta o que quer comer, escuta um tanto faz. Pede uma cerveja, ela mal beberica, apenas para não fazer feio, e sim, fazer sala: não ficar feio, você sabe. Mal fala, tenta não se mover, abaixa o olhar, porque penetrar na sua vista é ousadia demais, e ela, mulherzinha de bom senso, moça de respeito, que isso - não pode. Estar bonitinha, e com uma roupa nada vulgar, tudo no lugar, já é algo e tanto pra tal donzela. Com ela, não existe dança até o chão, nem riso incontrolável, nem vontades urgentes que necessitam ser supridas. Faz questão de olhar com desdém a tal felicidade exprimida aos lados, contemporizada no ar, nas vozes e rostos alheios, em torno. Porque ela, você sabe, ela é comedida. Se ela curte uma selvageria, não conta. Os poucos dias insanos, ínfimas memórias pra contar para netos e bisnetos. Se diz, talvez, tímida. Na dela, pacata. Sempre a mesma feição inexpressiva, quase botox, de tão paralizada. Sem caras e bocas, gargalhadas incontroláveis, cara amarrada, quando necessário. Assiste a vida passar, pela janela de espectadora dos desejos do mundo sendo todos cumpridos (enquanto os dela, dentro de alguma caixinha qualquer, no armário). Se tem um lado devasso, o mundo ainda o desconhece - isso, se existir, realmente. Quase uma robô, pré programada para risinho mecânico na hora em que você dá aquela tirada irônica, sorriso quando não ter o que falar; quietude, para não parecer burra. Passar por louca? Capaz, não. Que vergonha. Aliás, vergonha ela não passa. Nem alegria extrema, de tanto que se tranca em continuar sendo tão blasé que quase passa despercebida; apagada. Se você curte, ela passa a adorar. Se detesta, lá vai ela dizer que não é muito fã também (porém, nenhuma das opiniões expressas com vigor e luta, com debate e vontade: tudo naquele ritmo de mais ou menos em que a insossa vive, sempre na linha tênue e nunca em extremo algum).
Não é o que nos mandam esses mil manuais de conquista barateados pela sociedade? Deixa que o cara liga. Esconda uma parte da sua inteligência. Evite assuntos picantes. Pareça inanimada, desinteressante, e com humor estável. Seja uma pessoa destemperada, para resumir. Quer que ele pense o que? Sua desvairada, é uma vagabunda, independente demais, muito espertinha: não dá. Díficil é se manter na corda bamba de que tanto falam, de se mostrar para logo em seguida ter que esconder a confusão que é ser mulher nesses tempos modernos, sem realmente compreender o que quer o time lá de Marte.
Eu, que nunca consegui fingir com maestria ser sempre tão Amélia ou certinha, a qual a sensatez me vem apenas em momentos oportunos desisti de me equilibrar nessa inconstância plural que é o mundo masculino e suas particularidades. Já venho com todo meu temperamento forte, as minhas mil palavras, tão prolixas, e meus conceitos, sempre ferrenhos; fortes. Quem gosta, saboreia muito mais do que apenas uma companhia vazia e sem nexo, é com gosto, quase sempre ardente ou mordaz, oportunamente, agridoce. Sem o aspecto pastoso e insípido de algo que não dê vontade de lambuzar o prato e repetir. Que cause sensação alguma, boa, péssima, relevante: surpreendente. Demais, nunca pra menos. Quem com o tempo souber tirar bom proveito dessa algazarra de temperos e índoles, qualidades e tons, é quem merece ter o menu em mãos, e o pedido, quem sabe, aceito. Porque viver com quem se permite e à vida se entrega, é sim, o que dá sentido e apetite pra que os dias não passem em branco, mas sim, se completem. Com sensualidade, e quedas, atitude e frases sem nexo, beijinhos na nuca - inesperados - fica fácil ter nas mãos pimenta, sal, limão e açúcar: quem gosta de intensas reações, entende melhor a magnitude mágica da vida, os fugazes momentos que necessitam ficar memorizados. Sem robô, e sim, com carne, osso e um temperamento forte ao lado pra que a montanha-russa faça valer a pena o passeio de estar vivo sabe-se até quando.