sexta-feira, 20 de abril de 2012

Vermelha

Escrevo, recorto e dobro papeizinhos que vão compor a surpresa que irradiará da lata vermelha em formato de coração. Sentada no corredor da universidade, em companhia apenas desse meu passatempo que era um presentinho de amor pra logo mais, depois do trabalho em grupo, do intervalo, de estacionar o carro e chegar no quarto. A colega me acompanha então: também faz do chão o seu banquinho. Comenta dos conteúdos, desseca demais cadeiras da faculdade, e silencia. Continuo a picotar com minha tesoura amarela e emprestada frases e palavras e o mimo a ser entregue, com todo meu carinho dentro, mais tarde. Até que ela lê um, olhar de canto. E outro, enquanto rabisco a folha branca. Você está vermelha. O rubor calorento da face, o sorriso amarelo de uma timidez ainda presente em mim e que ataca vezenquando, é nesses momentos de flagra inesperado, de tremeliques e jeito nenhum que, eu coro, tu coras, nós coramos: amamos.

Ficar vermelha é meu escudo para não deixar escapulir todo o oceano que eu sinto, a fauna que eu penso, a biodiversidade interna e que nem sempre fica mole e facinho esconder assim, sem encontros num meio de tarde. É o amanhecer que troca do sereno da noite o estado emocional, ainda na aurora, até quase explodir nas bochechas da gente, laranja, mistura de amarelinho, branco, bege; vermelho. Quase cena de cinema e a gente, espectadores - rádio conectado, e então, entrevista: nunca parece ser real, passa sempre muito rápido os instantes de vermelhidão do rosto, palpitação acelerada e mãos que suam. É o roquenrol das sensações etéreas, um tanto da infância no íntimo conservada, a vergonha que sorri boba, leve, profana. Existente.

Dona de unhas quase sempre pedidas de bom grado à manicure cor de carmim, sim, é cândido mas também irracional essa sanguinária toda que sobe e quase me faz levitar, tamanho o acanhamento a assuntos que para mim tem a urgência de uma vida, o preço do incalculável, estima profunda: caríssimos. Meus. Fácil me deixar da cor das paredes que pintei o quarto ainda adolescente, aos onze ou doze anos, quando questionam o impublicável, se atrevem a arriscar qualquer pergunta de cunho pessoal escancarada, sem direito a prévia ou preparação. Eu rubro mesmo porque vibrar é atentado à falta de felicidade alheia. E diz tudo.