segunda-feira, 14 de maio de 2012

Cara de braba

 


Sentei decidida na maca macia. Mole de tanto sono e calor e cansaço. Disse: me tira essa cara de braba se der, por favor. Até quando falo normalmente as pessoas se assustam como se eu estivesse dando sermão. As sobrancelhas, vocês sabem: moldam o rosto, expressa aquilo que dizemos e que não contamos enquanto o protagonismo é da fala, dão sensualidade em algumas ocasiões e também brabeza, quando tão marcadas. O meu caso. Com o ar mais leve, pelos menores e a menos, a alma livre de um semblante de brabeza constante, cara cerrada até mesmo quando o sorriso é interno. Que sina.

Faz mais de dois antes estava emburrada numa dessas festas chatas onde a gente encontra sempre algum insuportável bêbado da faculdade que te aluga a noite inteira, mesmo com os exatos cortões e idas ao banheiro, sumidas no mar de gente. Sentei e fiquei de bode, porque a música era horrível, as pessoas, nada atraentes, papos chatos, lugar péssimo - arrependida: eu, com certeza, poderia estar dormindo. Até que chega sempre outro chato que merece ser chutado, mas com uma frase que me marcou por tempo suficiente que dizia "tu seria a mais bonita daqui se não fosse tão braba". É? É. Mole? Que nada. Continuei na minha pose blasé, vestido preto, sapato vermelho, um copo na mão, bolsa na outra. Você é sempre assim, tão séria? Quando tô na companhia de gente decente, não. Eu, na verdade, só queria sumir dali o mais rápido possível. Enquanto isso o cara que eu (graças a deus) nunca mais vi, o chato da faculdade e o resto daquelas pessoas estranhamente desmotivadoras achavam que eu fazia pose de insuportável, por puro masoquismo ou sabe-se lá o que. Só que não, gente.

Com o tempo, venho me acostumando a escutar frases do gênero. Que pareço xingar quando apenas argumento, tamanha a veemência que gesticulo. Meu gênio forte e olhar observador fazem intrépida, ao invés de sisuda. Daí surgem as variações daquilo que quem mal conhece, juga como arrogância, imperativa, petulante e demais sinônimos que adjetivem minha feição que nem sempre tem a ver com o real estado de espírito interno. Nem mesmo meu silêncio é bem tolerado. Dias ruins se tornam maus entendidos só porque os monossílabos são minha proteção frente a chatices que acumulem ainda mais nuvem cinza sob a minha cabecinha confusa de ovelha negra dessa humanidade. Tudo porque eu tenho cara de braba. E sou mesmo quando o motivo vale a pena, a luta é boa, ou minhas convicções se conservam intactas. Algumas vezes também, verdade, por puro impulso - mas logo o carneirinho teimoso que deu cabeçadas e quebrou a prataria volta a ser facilmente domado, o poço de carinho, afago e um pouco de arrependimento de pouco antes.

Esses tempos, a hostess de uma festa badalada olhou bem para minha identidade (essa sim, seríssima) e disse bem pausadamente, como só as pessoas que tem certeza do que estão fazendo falam que tenho cara de gato. Felina, o animal mesmo. Desses que miam baixinho e são auto-suficientes, de uma independência quem sabe estampada na mania arisca de aparecer apenas quando bem entendem, pra um carinho ou outro, um oi uma vez ao dia, coisas do tipo. Um persa que nem sempre está mas parece exibir o mau humor constante na cara achatada de quem só quer comer do bom e do melhor para depois descansar no solzinho saudável cheio de vitamina D do meio-dia. Se tiver as sete vidas incluídas no pacote, até aceito. Numa dessas vai ver que muda a forma como o resto do planeta me encara e acabo vendo a tudo e todos diferente. Quem sabe.